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Perfil do Ocupante(a)
José Rossini Campos do Couto Corrêa (Rossini Corrêa)
- Cadeira:
- 02
-
Naturalidade:
- São luís
- Data de Nascimento:
- 08 de setembro de 1955
- Data da Eleição
- 06 de outubro de 2022
- Data da Posse
- 18 de novembro de 2022
- Recepcionado(a) por:
- Lino Moreira
- Antecedido(a) por:
- Fernando Braga dos Santos
SENHOR PRESIDENTE LOURIVAL DE JESUS SEREJO SOUSA; SENHORAS ACADÊMICAS; SENHORES
ACADÊMICOS; DIGNITÁRIOS DOS PODERES CIVIS, ECLESIÁSTICOS E MILITARES; INTELECTUAIS,
ESCRITORES, AMIGOS E AMIGAS.
SOB O SIGNO DA AMIZADE
Ó noite solar, de céu estrelado em minha Vida, lavo-te os pés e beijo-te as mãos: celebro
em teu altar! Na tradição de Fernando Pessoa quando Álvaro de Campos, em “AH, UM
SONETO”: “Meu coração é um almirante louco – Que abandonou a profissão do mar”.1 E, desta
maneira, ilhéu e sem mar, mais louco do que almirante, a mim me restou o território do delírio,
percorridomais com a emoção à flor da pele, sobreposta à nostalgia da razão, a qual me permitiu
encontrar amparo no tumultuário Vladimir Maiakóvski, no poema “ADULTO:” “Nos demais –
todo mundo sabe – o coração tem moradia certa – fica bem aqui no meio do peito – mas
comigo a anatomia ficou louca – sou todo coração.” 2
Em consequência, Escritor Lourival Serejo, a concórdia se me tornou um imperativo
destino, descerrando-me o horizonte das pontes da amizade, em detrimento, de quaisquer
maneiras, de ânimos belicosos. Formado na fileira dos tímidos, em cuja discrição quase
ninguém, por equívoco de perspectiva, acredita – diversamente, por simples exemplificação, de
Gilberto Freyre, figura do meu convívio universitário recifense, que proclamava ser ele mesmo
o seu melhor assunto – não gosto de discorrer em autorreferência, falando de mim. Mais
confortável estou junto à ressalva de Sérgio Buarque de Holanda, quando ponderou: …”eu, de
minha parte (perdoem-me o eu odioso) …” 3
Sem egolatria e abrigado, de forma singular, no
magistério de Ortega y Gasset, eu sou eu e minha legião.
Assomam, ascendem, assumem comigo, nesta noite cimeira da Cadeira no 2, legionários
encantados e respirantes, todos redivivos, a começar por Maria e José, meu São José e minha
Santa Maria filhos de Deus, que me concederam a vida, trazendo consigo filhos seus e irmãos
meus, José Henrique, Couto Corrêa filho, Maria Isabel, José Eraldo e José Renato Campos do
Couto Corrêa, bem como Fabrício Henrique Goulart do Couto Corrêa. Decerto o coração é
vasto. Assim, a cátedra em expansão recepciona em seu estofo, a chegada de Maria e Bandeira
Tribuzi, Arlete e Nauro Machado, Valdelino Cécio e Francisco Tribuzi, todas relevantes
presenças em minha jornada existencial e literária.
Decorrem do magistério de Marco Túlio Cícero os ensinamentos de que a) “Um amigo é
como se fosse um segundo eu” e b) “ Tirar a amizade da vida é tirar o sol do universo.” 4 Homem
particularmente feliz sou eu, posto que, na simbiose do sangue e do coração, os filhos -Anna
Raphaela, Rossini Corrêa Júnior e Sasha – se me tornaram expressões das grandes amizades, ao
estilo de Raïssa Maritain, ememultiplicaram nos netos que me deram – Murilo e Eduardo Rossini
– levando-me à consciência do tempo transcendente , à outra margem do rio profundo, enfim,
à linha mais distante das fronteiras imaginárias do horizonte. Filhos: minha comunicação com o
Eterno.
A amizade é a joia da coroa. Amiga foi ponderação da socióloga Maureli Costa, de já estar,
em se considerando certos serviços, o tempo mais do que maduro. Fraterna foi a disposição do
saudoso e sempre convivente jurista Sálvio Dino, de buscar a realização do sonho. Magnânima
foi a vontade de combater o bom combate, do economista Lino Moreira, para efetivar este
momento. Sábia foi a locução do historiador Carlos Gaspar, de que, vencidas as circunstâncias,a
Casa de Antônio Lobo a mim me receberia sem ressalvas, de braços espalmados.
De coração ardente, a profecia está cumprida, cabendo-me agradecer, de forma
penhorada, às confreiras e aos confrades, pelos sufrágios que a tornaram possível e concreta.
Homenageio, de minha parte, a todas e a todos que quiseram, cooperaram, agregaram,
aplaudiram e festejaram – na impossibilidade de nomear Natache Carvalho Campos do Couto
Corrêa, Raimundo Palhano, Sérgio Tamer, Jhonatan Almada, Abdelaziz Aboud Santos, Ruy
Palhano, Joila Moraes, Karla Vieira, Maria da Glória Aquino, Antônio Guimarães, Alexandre
Maia Lago, Sálvio Dino Júnior, Silvânia Tamer, Maria da Graça Carvalho Mendonça, Mário Luna
Filho, Roberto Franklin Falcão Costa, Cristiane Lago e outros e outras mais, a quem beijo no
coração – na pessoa do amigo encantado e ressurrecto, professor, jurista e escritor João Batista
Ericeira.
Tinha razão William Shakespeare quando, no Hamlet, Ato I, Cena V, sentenciou: “Há
mais coisas, Horácio, entre o céu e a terra, do que sonha a nossa vã filosofia.” 5 Eis- me aqui,
segundo a designação do homem de teatro Américo Azevedo Neto, no Palácio das Letras, na
Cadeira patroneada por Aluísio Azevedo, a suceder um amigo comum, o poeta Fernando Braga
dos Santos, em realidade jamais desejada ou imaginada, produto dos arcanos, talvez jamais
revelados, que envolvem em mistério a condição humana.
O NOTÁVEL PATRONO
Nasceu Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo a 14 de abril de 1857, nesta cidade de
São Luís, filho de Emília Amália Pinto Magalhães e de David Gonçalves de Azevedo. A figura
paterna, despedindo-se da atividade comercial, chegaria à condição de Vice-Cônsul de Portugal
no Maranhão, participando da fundação do Hospital Português de São Luís e da instalação de
Gabinete Português de Leitura e permanecendo no posto diplomático de 1859 até 1878, quando
faleceu. 6 No ensejo do nascimento do primogênito do casal, a 7 de julho de 1855, batizado como
Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo, o júbilo do pai de família foi tamanho, segundo
Raimundo de Menezes, que resolveu ele tirar do ineditismo o livro que escrevera sobre a
monarquia lusitana, intitulado Epítome Histórica de Portugal, fazendo-o publicar pela Tipografia
de J.C.M. da Cunha Torres, situada à “Rua dos Barbeiros, n
o 8.”7
Tratava-se da famosa Tipografia do Frias.8 Registre-se, de passagem, que há um equívoco
na edição em papel bíblia da ficção completa de Aluísio Azevedo, promovido pela EditoraNova
Aguilar e dedicada a Josué Montello, qualificado como “amigo muito amigo,” 9 qual seja, o da
atribuição a este do que pertence àquele. O texto é o seguinte: “Recommendo aos meus filhos
que tratem com muito carinho este livro escripto por seu avô, e publicado no Maranhão em
1855, isto é, no ano em que ali vim ao mundo. Rio de Janeiro, abril de 1904. Arthur Azevedo”. 10
Eis o engano: “Dedicatória de Aluísio Azevedo no único exemplar conhecido do livro Epítome
Histórica de Portugal, escrito por seu pai e publicado pela Tipografia do Frias em São Luís no ano
de 1855. (Coleção Manuel Portinari Leão)”.11 Quem, em definitivo, chegou ao mundo em 1855,
ano da publicação do livro em questão, foi Artur Azevedo, responsável pela dedicatória e pelo
autógrafo, e não Aluízio Azevedo, nascido em 1857, para quem é dispensável o benefício do
desacerto editorial.
Interessa, sobremaneira, destacar que a mais preciosa herança, chave explicativa de
todos – Artur Nabantino, Aluísio Tancredo, Américo Garibaldi, Maria Emília e Camila Amália –
transmitida pelo historiador David Gonçalves de Azevedo aos descendentes, foi a paixão pela
educação e pela cultura, no especial prestígio às letras e às artes. O concurso materno de Emília
Amália Pinto de Magalhães foi positivo, descrevendo-a Dunshee de Abranches, resgatado por
Jean- Yves Mérian, como “uma mulher culta”. 12 Maestria, portanto, conjunta, desenvolvida pelo
casal formando pelo consórcio de Emília e de David, a merecer o reconhecimento de uma “das
famílias mais cultas de São Luís.” 13 Os rebentos receberam, a princípio, educação doméstica,
aguçando o gosto pela leitura, facilitada pela existência de livros em sua residência e do
instantâneo acesso à biblioteca do Gabinete Português de Leitura. De mais a mais, precoce foi
também a iniciação na língua francesa, facilitadora do contato com jornais, livros e revistas que
constituíam o paradigma mundial de cultura. 14 David Gonçalves de Azevedo, em certeira
intuição, estimulou a convivência dos filhos com o teatro, como pedagógica descoberta da arte
de escrever e de representar, transformada em palco infantil a casa da família. 15
De mestre-escola em mestre-escola, passou Aluísio Azevedo, estudante rebelado contra a
paideia da palmatória, por didatas da força e encontrou refrigério para a sua alma de artista
como aluno do pintor italiano Domingos Tribuzi. 16 Desde a mais tenra idade, amava o discípulo
o pincel e as tintas, mas o pai, como fizera com Artur Azevedo, o dirigiu ao comércio, segundo
o sonho de que, de caixeiro chegaria a sócio de uma empresa mercantil. Sob a rotina de uma
mal disfarçada servidão, conseguiu Aluísio Azevedo, passando de casa comercial em casa
comercial, matrícula no Liceu Maranhense, dirigido por Francisco Sotero dos Reis, poeta,
filólogo e historiador da literatura.17 Constituído um fundo de reserva, o jovem pintor e
desenhista convenceu o pai, com a colaboração materna, a deixá-lo partir para o Rio de
Janeiro, desejoso de estudar na Imperial Academia de Belas-Artes, se possível, a caminho do
convívio com os grandes mestres das artes visuais da Itália. Na Corte já se encontrava Artur
Azevedo, exonerado do emprego de amanuense no Palácio do Governo, como registrou Josué
Montello, sob a acusação de autoria de versos satíricos, jogados da torrinha do Teatro São Luís,
em desfavor deautoridades, entre as quais, o Presidente da Província Carneiro da Cunha.18
Desembarcou Aluísio Azevedo no Rio de Janeiro, levando consigo a experiência de jovem
professor de português e de desenho em escola privada, retratista a óleo e por encomenda da
elite maranhense, bem como de pintor terrificante de defuntos, como se antecipasse, no seu
realismo mórbido, certos elementos do expressionismo.19 E mais: na bagagem da sua
consciência, carregava o jovem artista maranhense um quê de revolta com a sociedade
estabelecida, que aprendera a conhecer trabalhando quinze horas por dia, vivendo nos fundos
das casas comerciais, em quartos sórdidos, e, sobretudo, quando esbarrou com um quadro
cortante: um escravo no tronco em pleno convento de Nossa Senhora do Carmo, supliciado,
gemente e… sorrindo.20 A Corte recepcionou o jovem artista maranhense como caricaturista de
sucesso, poeta lírico, pensador anticlerical e semente a desabrochar para a aventura plural das
artes.
O retorno de Aluísio Azevedo a São Luísfoi determinado pelo falecimento do pai, em 1878,
abandonando, de forma abrupta, a sua vivência de ilustrador, cenógrafo e jornalista. Com ares
de Don Juan tropical, desembarcou o jovem artista na Ilha do Amor, tornando-se amigo de Celso
Magalhães, poeta, prosador e ensaísta formado na Faculdade de Direito de Recife, Promotor em
São Luís, cujo périplo acompanharia: de acusador de Ana Rosa Viana Ribeiro, assassina do
infante Inocêncio, por suspeita de que fosse filho de seu marido, o chefe do Partido Liberal,
Carlos Fernando Ribeiro, futuro Barão de Grajaú a demitido a bem do serviço público, quando
da ascensão do referido liberal, ou luzia, ao poder provincial, em notória vingança política, que
o conduziu à morte, tuberculoso e indigente.
A ambiência cultural maranhense dispunha de sólida tradição jornalística, conforme
sumariou Joaquim Serra. 22 São exemplos da permanência dos debates literários, científicos,
sociais, políticos e do pugilato das ideias, detestado por Machado de Assis, folhas como “O
Arquivo”, “Semanário Maranhense”, “A Flecha”, “ O País”, “A Civilização” e “O Pensador”. Aluísio
Azevedo mergulhou em águas profundas nas demandas anticlericais, positivistas, republicanas,
estéticas e abolicionistas, cuja militância foi consignada por Ivan Lins na História do Positivismo
no Brasil, o qual não apenas sugeriu o estudo de sua ficção à luz da influência de Augusto Comte,
como resgatou o relevo do seu diálogo com Celso Magalhães e os versos da profissão de fé no
soneto intitulado
“RESPOSTA À CARTA EXMa VISCONDESSA XXX
Viscondessa, perdão, se esta missiva,
Pesada, como é, na sua essência,
Importuna magoar Vossa Excelência
Com um bafo grosseiro à sensitiva.
Porém me cumpre declarar com urgência,
Que, lendo a Filosofia Positiva,
Se bem que aquele assunto não me sirva,
sobremodo impressionou-me a tal ciência.
E desde então, querida Viscondessa,
Por mais que jurem coisas do infinito,
Dessa ideia não logram que me desça;
Consenti, pois dizer o que repito,
Inda que isso a vós mal vos pareça
– Em alma, Deus e céus na acredito.” 23
Aluísio Azevedo preparou o seu terremoto nada clandestino. Desta maneira, em 1879,
pela Tipografia do Frias, publicou, sob a estética romântica, Uma Lágrima de Mulher: romance
original e já em 1881, O Mulato, na explosão do naturalismo, com a influência próxima, de Celso
Magalhães e remota, de Gustave Flaubert e Émile Zola. A edição de O Mulato aconteceu pela
Tipografia de “O País”, jornal de Themístocles Aranha, pai de Graça Aranha, com tiragem de
1000 exemplares e propaganda pública do romance, 24 numerosa , em se considerando que São
Luís contava, em 1870, segundo o Censo de 1872, encomendado por D. Pedro II a técnicos e a
demógrafos alemães, com uma população de 31.604 habitantes, deles, 7.026 escravos e 24.578
homens livres, 25 muitos pobres e desvalidos, sem participação nas rendas concentracionárias
da educação e da cultura. O jovem romancista desnudou o espírito de casta e seu racismo,
postos a nu, do estamento rural do Maranhão e, em particular, da burguesia mercantil de São
Luís, provocando estrépito na província, talvez sem precedentes, como resgatou Josué
Montello, em Aluísio Azevedo e a Polêmica d ́O Mulato.
26 Foram, aqueles, tempos de definição
de destinos: o de Celso Magalhães, quando do Processo-Crime da Baronesa de Grajaú; 27 o de
Aluísio Azevedo, no ensejo da revelação do rés-do-chão moral da burguesia ludovicense, aliás,
em nada diferente da elite brasileira. Ao primeiro, coube a imolação; ao segundo, restou a
partida.
O retorno do jovem romancista à Corte foi para o árduo trabalho no batente de jornal,
nas atividadesteatrais e na construção de uma obra de ficção, que o tornaria um dos fundadores
do romance brasileiro. Em Portugal, escreveu Valentim Magalhães: “Aluísio Azevedo é no Brasil
talvez o único escritor que ganha o pão exclusivamente à custa de sua pena, mas note-se que
apenas ganha o pão: as letras no Brasil ainda não dão para a manteiga – como aqui também,
creio eu”.
28 O legado do escritor maranhense compreende, na sua versão mínima, treze
romances e uma fortuna crítica composta pelas vozes mais elevadas da crítica brasileira, de
Franklin de Oliveira a Antônio Cândido. O argumento de Guilhermino César para O Mulato, tem
validade para os romances com os quais desejou Aluísio Azevedo realizar a construção de um
painel da sociedade nacional, a exemplo de Casa de Pensão e O Cortiço: estão situados “entre
os poucos livros perenes da língua portuguesa.” 29Assistia razão ao mineiro do Rio Grande do
Sul.
Por estímulo de Graça Aranha, prestou Aluísio Azevedo concurso para Cônsul, no
Ministério das Relações Exteriores, servindo, entre outros países, na Espanha, no Japão, na Itália,
na Inglaterra, no Paraguai e na Argentina. Foi criado em torno do escritor maranhense, certo
apressado consenso, de que a análise psicológica sucumbiu frente aos painéis sociológicos,
reinando os personagens coletivos em sua obra romanesca. Não é verdade. Aluísio Azevedo
trouxe para a literatura brasileira, conferindo-lhes cidadania, aqueles desqualificados como
rafameia, pela preconceituosa elite nacional, abordando-os psicológica e socialmente. Outra
postulação foi a de que, cansado de “vender miolo de cabeça para comprar miolo de pão,” 31na
expressão de Humberto de Campos, recordada por Josué Montello, o funcionário diplomático
teria deitado em berço esplêndido e esquecido as letras. Oliveira Lima buscou diversa
explicação, logo ele, que detestava tudo que cheirasse a Joaquim Nabuco e a Graça Aranha,32
qualificando o absorvido diplomata Aluísio Azevedo como um Cônsul de excelência, em uma
época na qual os Consulados brasileiros sobreviviam desaparelhados de tudo. A obra aluisiana
mereceu os cuidados bibliográficos de M. Nogueira da Silva, anjo da guarda da vida e da obra de
Gonçalves Dias,33 que entregou pronta a sua pesquisa, para Lúcia Miguel Pereira escrever a
biografia do autor de Os Timbiras.
34 Está por ser reunida em livro a contribuição do Aluísio
Azevedo artista visual, poeta, contista, cronista e teatrólogo, ora homenageada com a leitura do
soneto
“POBRE AMOR
Calcula, minha amiga, que tortura! Amo-te
muito e muito, e, todavia, Preferia morrer
a ver-te um dia Merecer o labéu de esposa
impura!
Que te não enterneça esta loucura,
Que te não mova nunca está agonia,
Que eu muito sofra porque és casta e pura,
Que, se o não foras, quanto eu sofreria!
Ah! Quanto eu sofreria se alegrasses
Com teus beijos de amor, meus lábios tristes,
Com teus beijos de amor, as minhas faces!
Persiste na moral em que persistes.
Ah! Quanto eu sofreria se pecasses,
Mas quanto sofro mais porque resistes!” 35
A GALERIA EGRÉGIA
O patrono da Cadeira no2 nesta Casa de Antônio Lobo, Aluísio Azevedo, na Academia
Brasileira de Letras foi fundador da Cadeira n
0 4. O escritor maranhense recebeu,
merecidamente, a láurea acadêmica, com a ressalva de que, em nível da sociedade civil, muitas
vezes, há a cobrança de que as eleições entre literatos sejam justas, quando sequer os Tribunais
de Justiça o são, de maneira cotidiana e permanente. Sem embargo de declaração, agravo de
instrumento ou recurso inominado, o que ninguém poderá recusar às Academias, todas, é o
direito de escolha. Onde houver excesso de desvio na curva, o direito de espernearserá legítimo,
na expectativa de que o tempo reponha o devido em seu lugar. Não é o caso, quer da Cadeira
n
o2, quer da Academia Maranhense de Letras, regra geral, procedente em suas escolhas:
razoáveis, admissíveis e segundo o referido direito – o da escolha para o convívio – como
pontificou o decano plural José Sarney. Neste sentido, festejo a Casa de Antônio Lobo pela
eleição do jurista, pensador e Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, belíssimo ser humano; do
jurista, poeta e Conselheiro Daniel Blume; do engenheiro, Cônsul, e escritor José Jorge Leite
Soares; e do professor, jurista e Homem de Estado Flávio Dino, todos, afinal, espíritos de
Príncipes Renascentistas, como o foi o poeta, pensador e ensaísta, ser humano da melhor
estirpe, o melhor dos Braga, Fernando Braga dos Santos.
O fundador da Cadeira n
o2 foi Domingos Quadros Barbosa Álvares, nascido em São Bento,
em 1880 e falecido no Rio de Janeiro, em 1946. O polímata em questão escreveu crônicas,
contos, ensaios e romances, como escritor, lamentavelmente, mais inédito do que édito,
deixando por publicar os livros: romances, O Lucas Sampaio e Sinhá Limeira; crônicas, A Esmo;
Jardim Zoológico, fabulário; e Os Tipos Ecianos e Henriques Leal, estudos. Domingos Barbosa
dirigiu a Imprensa Oficial, foi Secretário da Casa Civil, no Governo de Benedito Leite e
Deputado Federal, aplaudido pela arte oratória, de Demóstenes, na Grécia e de Cícero, em
Roma. Destacam-se, entre os éditos do pioneiro em questão, Mosaicos, O Dominó Vermelho,
Contos da Minha Terra e Silhuetas, sobretudo de contos e o estudo Os Irmãos Azevedo
(Arthur, Aluísio e Américo,36 contribuição à interpretação do complexo parental de talento,
com participação decisiva na afirmação e na projeção das culturas maranhense e brasileira.
Fernando Ribamar Viana sucedeu a Domingos Barbosa, como autor de Folhas Soltas,
livro de sonetos que li vezes infinitas, quando criança, na estante nutrida da casa de minha avó
paterna, Izabel Couto Corrêa, mãe de filhos inteligentes e ilustrados – Wilson, Walter, Williams,
José, Luiz e Francisco, com culta presença na vida cívica, política, jurídica e jornalística do
Maranhão. Escreveu ainda Fernando Viana – médico de formação e de prolongado exercício,
professor universitário e, como Domingos Babosa, parlamentar, só que Deputado Estadual
Constituinte, em 1946 – Bocage- uma vítima de sua época,
37 em visitação erudita à cultura
ibérica, em mais uma convergência com seu amigo e meu antecessor Fernando Braga. Jornalista,
como Domingos Barbosa, Fernando Ribamar Viana, pai de uma plêiade de talentos, versejava
como quem respira, do que são testemunhas os livros Seara e Passarela & Outros Perfis, este,
assinado sob o pseudônimo de Feliciano Ventura, retratando a si mesmo e aos demais, entre
eles, Fernando Braga dos Santos, no soneto
“FB
Baixote e gordo, o olhar risonho e franco,
(Como a escola da Alsácia, de Junqueiro)
Este, errando o caminho, entrou pra um banco
E, em vez de verso, conta o vil dinheiro.
Poeta alma de lusa (sem tamanco!),
É-lhe mansa a poesia, qual ribeiro
A cujas águas, num silêncio branco,
Debruçam-se as ramadas de salgueiro…
Em começo, discípulo de Augusto,Foi,
afinal, com grande esforço e custo
Que dele se desfez… hoje é pessoa
Que faz versos pessoais unicamente,
Muito embora, ao fazê-lostenham em mente
O homônimo, o outro – o de Lisboa…” 38
A sucessão hereditária de Fernando Viana transcorreu por meio de mais um
descendente talentoso, no caso, Waldemiro Antônio Bacelar Viana, que a legitimou com a
construção de uma significativa obra literária. Bacharel em Direito com vasta experiência
enquanto gestor e assessor na burocracia de Estado, em especial, junto a órgãos culturais,
educacionais, jurídicos e administrativos, quer estaduais, quer federais, Waldemiro Viana não
se descuidou da sua vocação de escritor, publicando, entre outros livros, Graúna em Roça de
Arroz, A Questionável Amoralidade de Apolônio Proeza, O Mau Samaritano, Passarela do
Centenário e Outros Perfis, A Tara e da Toga, O Pulha Fictício, A Vez da Caça e Maria Celeste
da Terra e do Mar. Homem de espírito crístico, o prosador em questão cumpriu a regra
estampada em Efésios 6:1-3: “ Honra teu pai e tua mãe para que tudo te ocorra bem e tenhas
longa vida sobre a terra.” 39 Proclamou-o Waldemiro a propósito de Fernando Viana: “ meu pai
me ensinou a ser justo.” 40 Eis tudo: sentenciou Aristóteles – na Justiça toda a virtude se encontra
resumida. 41
Novamente houve o signo e o império da amizade, com a sucessão de Waldemiro Viana
por Fernando Braga, igualmente Bacharel em Direito e Pós-Graduado em Direito Penal pela
Universidade de Paris-Sorbonne. Autor numeroso, o melhor dos Braga deixou inéditos três livros
de poemas, um volume de memórias, no superior estilo evocativo, de Bernardo de Almeida,
em Éramos Felizes & Não Sabíamos.
42 Entre os éditos são de se destacar, entre outros,
Silêncio Branco, Chegança, Ofício de Medo, Planaltitude, O Exílio do Viandante , Campo
Memória, O Sétimo Dia, Poemas do Tempo Comum, O Puro Longe, Magma e Sabolim, todos
de poesia. Ensaísta, Nando, como os íntimos o chamávamos, publicou Elmano, o injustiçado
cantor de Inês, para ser econômico, lançado festivamente em Portugal. Quando o melhor dos
Braga, encantado,se transformou em estrela e em saudade, a pedido do poeta Roberto Franklin,
escrevio seguinte texto:
“APOLOGIA DE FERNANDO BRAGA
Dizia Aristóteles em uma passagem da Política, que na harmonia e na rítmica há uma
possível analogia com a condição humana. Recordou o Estagirita, então, que muitos entre os
filósofos definiam a alma como uma harmonia. Talvez coubesse acrescentar: ou uma
desarmonia. Fernando Braga, para mim sinônimo de amizade, compadrio e irmandade, cedo
partiu para o Etéreo, levado pelas águas de março deste emblemático ano de 2022. A esperança
de vida, regra geral, se encontra em elevação, em consequência de múltiplos fatores, um dos
quais, o progresso científico. Ancorados na variável em questão, sonhávamos nós com o já
saudoso ensaísta, poeta e memorialista ludovicense nonagenário, senão centenário.
Como não é possível combinar com o imponderável e o homem, segundo certa
tradição existencialista, é o seu projeto, exposto a ser rompido em qualquer tempo, Fernando
Braga – que a Lino Moreira, Mário Luna Filho, Roberto Franklin, Reynaldo Soares da Fonseca e a
mim revelou a expectativa de, no sábado, estar em casa, nele já estava na Eternidade. Os que
ficamos, sob a rubrica das grandes amizades – José Sarney, Joaquim Itapary, Venâncio Gomes,
Rosa Machado e Ana Luiza Almeida Ferro, sem o impossível olvido de Américo Azevedo Neto –
herdamos a responsabilidade para com a memória bragueana.
Temerário, esqueci alguém? Sim. Paulo de Tarso Nascimento Moraes. Recordo-me, de
passagem, que conheci Fernando Braga quando eu, adolescente, cursava a primeira série do
ginásio no Colégio Zoé Cerveira, de Nadir Adelaide do Nascimento Moraes. Ali estava o poeta
perto da cantina, sentado em uma escada, benjamim da turma, cercado por meu mestre
Nascimento Morais Filho, seus irmãos, João José e Paulo Nascimento Moraes, Lopes Bogéa e
Amaral Raposo. Seguimos irmanados vida afora, em uma amizade que não terminou quando
Andreza Maria, filha de poeta, chorando, a mim me confessou – ‘Meu pai te amava’ – para que,
junto à sua mãe, Patrícia de Nazaré, em lágrimas, lhe respondesse: ‘E era correspondido’.
Entre idas e vindas, Brasília foi o nosso destino comum, e juntos sempre estivemos.
Gregário, Fernando Braga pertenceu à aristotélica família das almas harmônicas, vivendo sob
uma permanente paixão maranhense, à volta de Lourenço Vieira da Silva, Wolney Milhomem,
Clóvis Sena e do seu segundo pai, Joel Barbosa Ribeiro, mais tarde, Luís Carlos Bello Parga, à
frente de todos, Nunes Pereira.
A poesia foi a digital da existência bragueana. Ensaísta de qualidade e memorialista de
fôlego, em tudo que o intelectual maranhense escreveu há o halo molecular da poesia. É como
se eu pudesse vocalizar que o menino da Rua do Passeio era, naturalmente, poeta. Aquele que,
no verdor dos anos, foi levado ao Rio de Janeiro por seu tio Pedro Braga e ali conheceu Manuel
Bandeira, com o mestre conversou sobre literatura e a ele declamou os seus primeiros poemas.
Aquele que, frequentando a casa da educadora Nadir Adelaide do Nascimento Moraes, essa o
recebia, desafiando-o: ‘Vou mandar buscar cerveja, mas só se tu sentares aqui e escreveres uma
poesia’. E o poema nascia, por ser, nele, uma forma de respiração como condição de vida.
Crescido no convívio com as gerações maranhenses pretéritas, Fernando Braga reteve, na
esfera das evocações pessoais, a riquíssima crônica da vida literária ludovicense, tornando-se,
desta maneira, um sedutor memorialista. As braguenas Conversas Vadias estão repletas de
vivências, resgastes, registros e iluminações, sob a razão sensível de afetuosas interpretações,
em que desfilam Erasmo Dias, Astolfo Serra, Fernando Viana, Clarindo Santiago, Fernando
Perdigão, Luso Torres e mais outros e outros mais, muitos, por convívio pessoal e alguns, por
episódios relatados a si, cercados todos pelo cuidado da pesquisa.
De qualquer forma, Fernando Braga garantiu, por meio do convívio com as gerações
precedentes, a acessibilidade às lembranças da boêmia intelectual da Belle Époque ludovicense,
ou do que dela foi, no tempo social, prolongado, tornando-se senhor de um manancial de
reminiscências valiosas para o Maranhão e a sua história cultural. Quando publicadas, as
Conversas Vadias constituirão um livro para ser colocado na estante, ladeado por Galeria e
Éramos Felizes & Não Sabíamos, de Bernardo de Almeida; As Lâmpadas do Sol, de Carlos Cunha;
Diário de Campo, de Ubiratan Teixeira; Sol a Sol, de Arlete Nogueira da Cruz Machado; e, entre
outros, Passarela & Outros Perfis, de Fernando Viana e Páginas de Crítica, de Erasmo Dias.
Com a paciência de artesão, deixou Fernando Braga organizado o conjunto de sua obra
literária, tanto a édita, quanto a inédita, em verso e em prosa, reunindo poemas, crônicas,
críticas, ensaios, memórias e estudos jurídicos e políticos. Sucede que o menino da Rua do
Passeio, fiel a si mesmo, sem demissão de sua íntima vocação, muito trabalhou a palavra e o
pensamento, legando à causa da cultura o testemunho de sua passagem perduradoura pela vida
terrena, em tesouro do espírito a ser compartilhado, agora sob a curadoria de sua amada filha
Andreza Maria Braga dos Santos. Estimo que as instituições de cultura maranhenses, as quais
albergaram a presença bragueana,sem dúvida, concorrerão para a publicação do seu fulgurante
patrimônio literário.
Quando da fundação da Academia Maranhense de Cultura Jurídica, Social e Política –
AMCJSP, em companhia dos ilustres confrades João Batista Ericeira, Sérgio Victor Tamer,
Raimundo Palhano e Jhonatan Almada, eu constatei a comum alegria com que a trajetória
braguena foi recepcionada no rol dos pioneiros da novel instituição cultural. Quanto à Academia
Maranhense de Letras – AML, com certeza, foi uma paixão de toda a vida do menino da Rua do
Passeio, afinal, a Casa de Antônio Lobo recepcionara aqueles intelectuais menos jovens, de que
fora o benjamin: Astolfo Serra, Fernando Viana, Amaral Raposo, Nascimento Morais Filho,
Antônio Almeida, Erasmo Dias, Paulo Nascimento Moraes e, para não ser exaustivo, Nunes
Pereira, duas vezes eleito… Consumada a vitória bragueana no ano de 2021, o pressionei,
amorosamente, para que tomasse posse logo, sem saber que o coração generoso do jurista
Reynaldo Soares da Fonseca oferecera-lhe a possibilidade de que tomassem posse juntos. Com
a saúde debilitada, o poeta ora chamado saudade, confessou-me que só pretendia fazê-lo no
segundo semestre de 2022, quando a astenia passasse e o fôlego estivesse recuperado. As águas
de março não permitiram e o levaram para o mar da Eternidade.
Foi quando, quase desolado com a ironia do destino, como também ficou Lino Antônio
Raposo Moreira, o seu Simão Cirineu na eleição acadêmica, recebi uma mensagem de Whatsapp
de umPríncipe Renascentista chamado poeta e juristaDaniel Blume, no fatídico dia 11 demarço:
– “Perdemos um grande amigo e poeta. Perdemos Fernando Braga.”
– “Verdade, Daniel. Te queria um grande bem. Meu amigo e compadre da vida toda. Estou
de coração partido.”
– “Ele sempre falava de você e de Luna como irmãos. Mantive contato recente com ele,
pois queria tirar a Ordem dos Advogados Portugueses. Estava auxiliando. Ele me disse que iria
morar lá com a filha.”
– “Verdade. Sonhou com o retorno às origens paternas, Sim. Mário Luna e eu
constituíamos a sua irmandade mais íntima, onde também estava, como irmão mais velho,
Joaquim Itapary, a quem chamava carinhosamente de Quincas.”
– “Sim. Pena que não chegou a tomar posse na AML.”
– “Muita pena. Um sonho acalentado por 53 anos. Insisti muito para que ele tomasse posse
logo. Ele pensava em assumir só depois da renovação do prazo de 6 meses, no fim deste ano.
Aqui aconteceu assim, com Marco Maciel. A Academia Brasiliense de Letras – AbrL deliberou
por considerá-lo empossado e depois declarou vaga a sua Cadeira, para a qual se elegeu Hugo
Napoleão, com posse marcada para 8 de abril próximo.”
– Sim. Boa ideia.”
Embaixador da causa boa, o acadêmico Daniel Blume apresentou a proposta à Diretoria
da Academia Maranhense de Letras – AML, que a recepcionou, declarando o poeta e prosador
Fernando Braga empossado na Cadeira número 2, patroneada por Aluízio Azevedo, com a
entrega das insígnias acadêmicas à sua amada família. O bom Roberto Franklin, primo devotado
do menino da Rua do Passeio, festejou o feito, no artigo “Fernando Braga, o imortal.” De minha
parte, remeti aplausos à diligência sempre inteligente de Daniel Blume, cuja sábia mãe Sônia
Almeida o colocou no mundo com nome de profeta:
– “A intriga do bem funcionou. Nada melhor – como disse Joséphe Sièyes sobre Napoleão
Bonaparte – do que colocar a causa certa, na mão do advogado certo, no lugar certo e na hora
certa. Parabéns! Foste protagonista de um ato de justiça literária para com Fernando Braga. Ele,
da Eternidade, te agradece. E seus amigos e familiares também. Abraço afetuoso do Rossini
Corrêa.”
– “Ideia sua. Fui apenas o executor. O Poeta merece todas as nossas homenagens.”
– “Brilhante, extraordinária executor! O Poeta merece todas as nossas homenagens. Tu
também, por seres dez.”
Quando fui honrado com a distinção para escrever o prefácio do seu livro de poemas
Campo Memória, consignei nos autos que Fernando era poesia em Pessoa. Buscava eu a
intertextualidade existencial dos dois Fernando à causa dos valores mais elevados do espírito,
por meio, sobretudo, da poesia. Comigo os poetas te saúdam, Fernando Braga. Aqui estão José
Sarney, Joaquim Itapary, Mário Luna Filho, Roberto Franklin, Bioque Mesito, Francisco Tribuzi,
Couto Corrêa Filho, Américo Azevedo Neto e Daniel Blume. As alas estão abertas. Podes passar
do tempo para a Eternidade e do espaço para o Infinito. Nando: mahatma, grande alma de
Gandhi, alma harmônica de Aristóteles, somente luz, na amizade, no compadrio e na irmandade.
Um beijo na alma e até sempre.”
43
A obra inédita de Fernando Braga tem como curadores Patrícia de Nazareth Medeiros
Braga dos Santos, Andreza Maria Braga dos Santos, Fernando Braga dos Santos Júnior e a
Academia Maranhense de Letras. O melhor dos Braga foi dos talentos mais puros que conheci,
poeta com natural acento lusitano, à maneira de Bandeira Tribuzi e, como esse, Ferreira Gullar,
José Chagas, Odylo Costa, filho e outros, outras e outros mais, um apaixonado por São Luís, a
merecer do monumental poeta Nauro Machado, um juízo consagrador: “Poema Insulano é,
sem dúvida, um dos mais belos poemas escritos por um poeta sobre a cidade de São Luís.” 44
Que mais escreverei, sobre Fernando Braga? Direi que foi um transgressor.
Ensina-nos o filósofo Edgar Morin que a poesia existe em contraposição ou em
dialogia com a prosa. O melhor dos Braga, mergulhado na dimensão simbólica, mística e
mágica, submeteu a prosa à poesia. E a todos que, fulgurantes, estiveram nessa Cadeira n
0 2,
festejo, recordando o magistério de Josué Montello: “A imortalidade , nesse caso, nada mais é
do que o nome repetido”.
45 Repito-lhes, eloquente, os nomes: Aluísio Azevedo, Domingos
Barbosa, Fernando Viana, Waldemiro Viana e Fernando Braga: presentes! De Raimundo Corrêa,
procedo à declamação do soneto
“ SAUDADE
Aqui outrora retumbaram hinos;
muito coche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os ouropéis mais finos…
Arcos de flores, fachos purpurinos,
Trons festivais, bandeiras desfraldadas,
Girândolas, clarins, atropeladas
Legiões de povos, bimbalhar de sinos…
Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torreões medonhos,
Alguém se assenta sobre aslájeas frias;
Em torno os olhos úmidos, tristonhos,
espraia e chora, como Jeremias,
Sobre a Jerusalém de tantos sonhos!…” 46
Nada passou! O estado poético celebrado por Edgar Morin a todos nos restitui,47 nesta
noite solar da minha Vida. O Azevedo e o Barbosa, os Viana e o melhor dos Braga estão aqui, para
gáudio meu, para honra minha. Existo entre nuvem e pedra. Este momento, de pura e azulada
nuvem, é de cristalina alegria, de quem chega no tempo de Deus, como um humanista cristão,
conservador do processo civilizatório em ressignificação, descrente de qualquer salvação
histórica, porém, esperançoso quanto ao advento de um mundo de superior razoabilidade, se
a razão for irrigada pela senbilidade, como queria Jean-Jacques Rousseau, para que a
Desumanidade ora vivênciada, desconstruida pala evolução espíritual, seja a fonte da construção
de novas consciências e de distintas atitudes, em favor de Humanidades plurais,48 diversas e
fraternalmente concertadas, em sua vontade de diálogo e de cooperação .
Se Aiton Krenak combate o bom combate desautorizando etnocídios, ecocídios e geocídios,
tem o meu concurso de amante de pessoas, seres e coisas. Completo a carreira e guardo a fé, a
favor da superação de teocídios, eticídios e constituicídios. Sim, na corrida de quem chega no
tempo de Deus, sem nenhum ânimo ou espírito de cruzado, contudo, receptivo à necessidade de
mudança processual, evolutiva e mais democrática, fraterna e solidária, de uma sociedade
nacional e internacional desafiada à edificação de um mundo compartilhado, quanto às suas
conquistas materiais e espírituais, para que, enfim, comece a tratar gente como gente. Deste
barro eu sou oleiro. Amém.
Degusto com satisfação a realidade de ser confrade de Fran Paxeco, Catulo da Paixão
Cearense, Maranhão Sobrinho, Antônio Lobo, Viriato Corrêa, Antônio Lopes, Jerônimo Viveiros,
Raimundo Lopes, Nunes Pereira, Franklin de Oliveira, Josué Montello, Odylo Costa, filho, Antônio
de Oliveira, Manoel Caetano Bandeira de Mello, Fernando Perdigão, Neiva Moreira, Reis Perdigão,
Ignácio Rangel, Clóvis Sena, Bernardo de Almeida, Nascimento Morais Filho, Mário Meireles, José
Sarney e outros, e mais e mais outras e outros. Se me perguntam, nas nuvens, o que é, do que se
trata, o que está se passando, socorro-me de Zeca Baleiro, na voz de Alcione Nazareth e respondo:
– “É pedra é pedra é pedra
É pedra de responsa”.
Muito obrigado. Viva a Casa de Antônio Lobo. Salve a Cultura Maranhense. Um beijo na alma e
até sempre.
REFERÊNCIAS
1. PESSOA, Fernando. Obra poética de Fernando Pessoa. Rio de Janeiro, Editora Nova
Fronteira, 2016, v.1, p.274.
2. Sugere-se, para uma aproximação preliminar com a obra poética de Vladimir
Maiacóvski, a consulta a CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de et
SCHNAIDERMAN, Boris. Poesia russa moderna, São Paulo, Perspectiva, 2012, ps. 227 a
296.
3. HOLANDA, Sérgio Buarque de. O espírito e a letra: estudos de crítica literária-1948-
1959. São Paulo, Companhia das Letras, 1996, v. II, p.70.
4. Consultar a respeito CÍCERO. Diálogo sobre a amizade. São Paulo, Saraiva, 2013, 49 p.
5. SHAKESPEARE, William. “Hamlet”. In: Obras completes. Rio de Janiero, Editora Nova
Aguilar, v. I, p 550.
6. AZEVEDO, Aluísio. Ficção completa em dois volumes. Rio de Janeiro, Editora Nova
Aguilar, 2005, v. I, p. 129.
7. MENEZES, Raimundo. Aluísio Azevedo: uma vida de romance. São Paulo, Livraria
Martins Editora, 1958, p.51
8. Consultar a respeito FRIAS, J.M.C. de. Memória sobre a tipografia maranhense. São
Paulo, Editora Siciliano, 2001, 66 p.
9. AZEVEDO, Aluísio. Ficção completa em dois volumes. Rio de Janeiro, Editora Nova
Fronteira, 2005, v. I, p.8.
10. Id. Ibid., p 138.
11. Id. Ibid., p 138.
12. MÉRIAN, Jean-Yves. Aluísio Azevedo. Vida e obra (1857-1913): o verdadeiro Brasil do
século XIX. Rio de Janeiro, Editora Espaço e Tempo: minC PRÓ-LEITURA: INSTITUTO
NACIONAL DO LIVRO: Banco Sudameris Brasil, 1988, p. 41.
13. Id. Ibid., p. 41.
14. Id. Ibid., p. 41.
15. Id. Ibid., p. 43.
16. MENEZES, Raimundo. Aluísio Azevedo: uma vida de romance. São Paulo, Livraria
Martins Editora, 1958, p.61.
17. Id. Ibid., p. 61.
18. MONTELLO, Josué. Escritores maranhenses: 1955-1965. São Luís, Edições SECMA, 2017,
v. I, p. 132
19. PESSOA, Fernando. Obra poética de Fernando Pessoa. Rio de Janeiro, Editora Nova
Fronteira, 2016, v.1, p.274.
20. MÉRIAN, Jean-Yves. Aluísio Azevedo. Vida e obra (1857-1913): o verdadeiro Brasil do
século XIX. Rio de Janeiro, Editora Espaço e Tempo: minC PRÓ-LEITURA: INSTITUTO
NACIONAL DO LIVRO: Banco Sudameris Brasil, 1988, p.47
21. MENEZES, Raimundo. Aluísio Azevedo: uma vida de romance. São Paulo, Livraria
Martins Editora, 1958, p.81 e ss.
22. Consultar a respeito SERRA, Joaquim (Ignotos). Sessenta anos de jornalismo. A
imprensa no Maranhão: 1820-1880. São Paulo, Siciliano, 2001, 117 p.
23. LINS, Ivan. História do positivismo no Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional,
1964, p. 103.
24. AZEVEDO, Aluísio. Ficção completa em dois volumes. Rio de Janeiro, Editora Nova
Aguilar, 2005, v. I, p. 141.
25. CIDADES HUSTÓRICAS INVENTÁRIO E PESQUISA: São Luís. Brasília, Editora do Senado
Federal, 2007, p. 56.
26. Consultar a respeito MONTELLO, Josué. Aluísio Azevedo e a polêmica d ́O mulato. Rio
de Janeiro, Livraria José Olympio Editora: Brasília, instituto Nacional do Livro: Ministério
de Educação e Cultura, 1975, 335p.
27. Consultar a respeito os AUTOS DO PROCESSO-CRIME DA BARONESA DE GRAJAÚ
1876- 1877. São Luís, Procuradoria Geral da Justiça, 2009, 694 p.: il.
28. Apud MENEZES, Raimundo. Aluísio Azevedo: uma vida de romance. São Paulo,
Livraria Martins Editora, 1958, p. 29.
29. GUILHERMINO CÉZAR. “Atualidade de Aluísio Azevedo”. In: AZEVEDO, Aluísio. O
mulato. São Paulo, Editora Ática, 1998, p.3.
30. OLIVEIRA LIMA.” Escritores brasileiros contemporâneos: Aluísio Azevedo”. In:
AZEVEDO, Aluísio. Ficção completa em dois volumes. Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar,
2005, v. I, p.107.
31. Apud MONTELLO, Josué. Escritores maranhenses: 1966-1993. São Luís, Edições
SECMA, 2018, v II, p. 243.
32. Consultar a respeito OLIVEIRA LIMA. Memórias (Estas minhas reminiscências…). Rio
de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1937, 325 p.
33. Consultar a respeito SILVA, M. Nogueira da. Bibliografia de Gonçalves Dias. Rio de
Janeiro, Imprensa Nacional, 1942, 240 p.
34. Consultar a respeito PEREIRA, Lúcia Miguel. A vida de Gonçalves Dias. Rio de Janeiro,
Livraria José Olympio Editora, 1937, 425 p.
35. FREIRE, Laudelino (Organizador). Sonetos brasileiros: século XVII-XX. Rio de janeiro,
Briguiet & Cia, 1913, p. 121.
36. MEIRELES, Mário Martins, FERREIRA, Arnaldo de Jesus et VIEIRA FILHO, Domingos
(Organizadores). Antologia da Academia Maranhense de Letras: (1908-1958). São Luís,
Academia Maranhense de Letras, 1958, p. 164.
37. Id. Ibid., ps. 231 e 232.
38. VIANA, Fernando (Feliciano Ventura). Passarela & outros perfis. São Luís, Edições
AML/SIOGE, 1991, p. 80.
39. Consultar a respeito A BIBLÍA SAGRADA TRADUZIDA EM PORTUGUÊS SEGUNDO A
VULGATA LATINA. Rio de Janeiro, B-L. Garnier, Livreiro-Editor, 1864, 2 v., 1565 p.
40. VIANA, Fernando (Feliciano Ventura). Passarela & outros perfis. São Luís, Edições
AML/SIOGE, 1991, 10 orelha.
41. Consultar a respeito CORRÊA, Rossini. Saber direito: tratado de filosofia jurídica. Belo
Horizonte, Editora Dialética, 3 v., 1508 p.
42. Consultar a respeito ALMEIDA, Bernardo de. Éramos felizes & não sabíamos. São Luís,
Revista Legenda Editora, 1996, 283 p.
43. COSTA, Roberto Franklin Falcão (Organizador). O discurso não pronunciado:
homenagem a Fernando Braga. São Luís, Edição do Organizador, 2022, p. 25 e ss.
44. MACHADO, Nauro. In: BRAGA, Fernando. Poema do tempo comum. São Luís, Edições
SECMA, 2009, 116 p., especialmente a quarta capa.
45. MONTELLO, Josué. Escritores maranhenses: (1966-1993). São Luís, Edições SECMA,
2018, v. II, p. 237.
46. CORRÊA, Raimundo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro, Editora José Aguilar Ltda
, 1961, p.197.
47. MORIN, Edgar. Amor, poesia,sabedoria. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1998, p.33 e
ss.
48. Consultar a respeito KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo,
Compainha das Letras, 2020, 104 p.