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Academia Maranhense de Letras

Fundada em 10 de agosto de 1908

Notícia

Solenidade comemorativa dos 195 anos da Academia Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro.

Excelentíssima Senhora Presidente da Academia Nacional de Medicina, Eliete Bouskela,
Excelentíssimos senhores ex-presidentes da Academia Nacional de Medicina, acadêmicos Pietro Novelino, Rubens Belfort e Francisco Sampaio, por meio dos quais eu saúdo todos os confrades e confreiras
Demais autoridades que compõem a mesa;

Senhoras e senhores que nos honram com as suas presenças,

Há 195 anos, em 30 de junho de 1829, quando o Brasil dava os primeiros passos de nação independente, implantou-se, pelas mãos do Dr. Joaquim Cândido Soares de Meirelles, a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, instituição que logo se transformaria em Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro. Nascia por Decreto de 8 de maio de 1835, inspirada em princípios semelhantes aos que balizaram a vida das academias francesas, que tanta robustez trouxe ao revolucionário período do Iluminismo.
A Nação acabara de surgir do grito de liberdade do príncipe, às margens do Ipiranga. E era urgente dotá-la de instituições fortes para que deixássemos no passado os nossos graves índices de pobreza econômica e intelectual, a que a Colônia havia sido submetida por mais de 200 anos. A Academia Imperial de Medicina surgia, podemos dizer, sob o influxo das melhores expectativas iluministas, que visavam auxiliar a sociedade a avançar para futuro, em vias calçadas pelo conhecimento científico e pelo espírito de liberdade, fraternidade e igualdade.
Cumpre assinalar, e com satisfação, que o Decreto que criou a Academia veio assinado por Francisco de Lima e Silva, o Barão de Barra Grande, e por dois maranhenses: João Bráulio Muniz e Joaquim Vieira da Silva e Souza. Este último tornou-se membro honorário de nossa instituição. Na época dessa mudança, Joaquim Vieira da Silva era Ministro do Império, o último da Regência Permanente. Em 1823, ele teve papel importante na adesão do Maranhão à Independência. Joaquim Vieira da Silva é tio-avô do poeta Raimundo Correia, também maranhense. Raimundo foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e é o patrono da cadeira de número 16 da Academia Maranhense de Letras, que atualmente ocupo com grande honra.
A Academia Nacional de Medicina, assim, nasceu imperial e permanecerá soberana, dignificando os que a ergueram e os que a mantêm vigilante a todo obscurantismo e negacionismo insano, exercendo seu papel de Dédalo a orientar os voos de novos Ícaros.

Senhoras e senhores,
Nossa Academia atravessou os anos e chegou até aqui como repositório do passado, e predecessora do futuro. Assistimos eventos extraordinários que se assemelham aos imaginados por gênios da ficção como Julio Verne e Herbert George Wells, com tecnologias de diagnóstico extremamente avançadas, procedimentos menos invasivos que, somados a uma medicina de extrema precisão, oferecem à sociedade opções mais seguras de alívio e de cura. Terapias de edição genética e crescentes incrementos na Inteligência Artificial e integração de dados – que vão permitir diagnósticos mais rápidos e eficientes –, são elementos desse admirável mundo novo que está apenas se descortinando.
E entre esses dois tempos – passageiros do que já é passado e espectadores do que virá –, estamos cá neste presente que, como o próprio nome já diz, é uma dádiva, um vir a ser. Os desafios de preservar e antever não podem nos desviar do olhar atento e vigilante às demandas que requerem de nós respostas imediatas e certeiras. É este tempo atual, senhoras e senhores, para evocar Drummond, que é nossa matéria: os homens presentes, a vida presente. O padre Antônio Vieira já disse que nos dias que nada fazemos de significativo, apenas existimos. Quando empreendemos sentido e propósito por meio de nossas ações, vivemos no agora e no futuro que está logo à frente.
Nossa missão exige alto preço, senhoras e senhores, a exemplo do que narra o conhecido conto nórdico que explica o olho ausente do deus Odin. Para ter acesso às águas do Poço de Mimir, repositório de uma sabedoria negada aos que nada estavam dispostos a sacrificar, o deus oferece em troca um de seus olhos. Cego em parte, visionário extraordinário em outro.
Também não poderia deixar de destacar um evento inédito, digno dos maiores encômios neste nosso natalício de 195 anos. Em 194 anos, nunca uma mulher havia alçado à condição de presidente de nosso honrado sodalício. Confesso aos acadêmicos e acadêmicas: para prejuízo nosso, tal feito demorou uma eternidade.
Quis a benfazeja mão do destino que nossa presidente Eliete Bouskela rompesse a tradição de sucessão de homens na principal cadeira de nossa instituição e inaugurasse uma nova era, para benefício nosso. Penso que coube às Moiras, perdoem-me a licença poética, o desafio de traçar-lhe o caminho até aqui, presidente, em especial a fiandeira Láquesis, cuja tessitura convergiu para que após tanto fazer fora dessas paredes, Vossa Excelência aqui viesse, com mão sábia e experiente, tomar o leme desta nau. De nós, seus confrades e confreiras, presidente, Vossa Excelência tem não apenas o aplauso, o sorriso amigo e a compreensão. Somos Josués modernos a auxiliá-la nessa missão mosaica de legislar o bem comum, de direcionar a caminhada e de descortinar um novo lugar mesmo quando o cenário possa parecer apenas deserto árido.
Lembro que em seu discurso de posse, nossa presidente valeu-se de uma frase que até hoje ecoa nesta casa: a Academia é mágica, ao mesmo tempo que nos relembrou a missão de nossa academia com estas exatas palavras: queremos continuar com uma agenda científica progressista e se possível ampliar o trabalho de nossos antecessores, o mais possível atentos às exigências de modernidade que o tempo nos obriga. Uma das preocupações trazidas por Vossa Excelência à ocasião foi a necessidade da discussão em profundidade do ensino médico e para o bom funcionamento das escolas e residências médicas, preocupação, essa, traduzida por meio de várias iniciativas, a exemplo do simpósio “Ensino Médico: presente e futuro”, realizado no início de maio deste ano.
É bom que se diga, com a ênfase que o assunto exige, esse é tema de primeira ordem, de urgência urgentíssima até. De acordo com dados do Conselho Federal de Medicina, existem atualmente 389 escolas médicas no Brasil, sem contar aquelas que aguardam autorização para funcionar. Por conta disso, nosso país é o segundo do mundo nessa condição, ficando atrás apenas da Índia, que, como se sabe, possui população seis vezes maior que a nossa. O aumento vertiginoso da quantidade de escolas de medicina é avaliado, por analistas da área, como anárquico e disfuncional e, se não gerenciado ou mesmo combatido, pode ocasionar, em futuro não muito distante, potencial ameaça à saúde coletiva. Em entrevista recente ao Estadão, o médico Raul Cutait, ao tecer comentários sobre o aumento de cursos médicos e a crescente judicialização, advertiu que “não se pode formar médicos a granel”, chamando a atenção para a necessidade da formação médica calçada em bases sólidas.
Entre as consequências mais funestas da má formação das escolas médicas, destaco o grave problema do erro médico, que causa dor, sofrimento, prejuízos emocionais e financeiros, que desaguam em demandas jurídicas, muitos deles dignos de serem retratados em qualquer romance kafkiano. É urgente e necessária a adoção de protocolos eficazes de enfrentamento à expansão desenfreada de cursos médicos, aliada a uma firme cultura de responsabilidade e transparência para lidar com questões próprias da falibilidade humana.
Como profissionais da ciência não poderíamos deixar passar em branco, na composição do quadro de nossas preocupações, um ponto da maior relevância: o decréscimo dos investimentos em ciência em terras brasileiras, mencionado pelo nosso confrade Wanderley de Souza em recente artigo. Em números atualizados, entre 2020 e 2023 nossa produção científica caiu 9,2%, enquanto outros países emergentes tiveram aumento expressivo, a exemplo da Arábia Saudita, Índia e China, que cresceram, 63%, 38% e 31,9%, respectivamente. Sabe-se que os sucessivos cortes orçamentários em Ciência & Tecnologia têm uma longa e triste história nestas terras tupiniquins. Parece não se levar em consideração, porém, que os prejuízos no desenvolvimento da ciência e da tecnologia se acumulam através da redução de bolsas para mestrado e doutorado, impedindo o desenvolvimento da pesquisa e de soluções tecnológicas. É preciso ter muito claro que os chamados gastos em ciência e tecnologia nunca foram e nunca serão gastos, serão sempre investimentos que beneficiarão o país dos brasileiros. Enquanto persistir a redução de recursos nesse domínio, mais os nossos pesquisadores migrarão para o exterior. O que significa dizer que a falta de visão dos tecnocratas do orçamento nacional anda exportando, há alguns anos, os nossos bons cérebros, favorecendo institutos, universidades e governos estrangeiros.

Senhoras e senhores,
Como orador, cabe a mim a difícil tarefa de trazer à memória aqueles que nos deixaram e, com suas ausências, empobreceram nossas amizades. Como na frase de Guimarães Rosa, sempre invocada nesta casa, as pessoas não morrem, ficam encantadas. Entre esses que brilham em nossas memórias e em nossos corações, cito Adolpho Hoirisch, falecido em 31 de outubro de 2023, tema de uma sessão da saudade aqui em nossa Casa, realizada em 24 de maio deste ano, na qual nossa presidente Eliete Bouskela lembrou seu bom humor e vivacidade. Convidados a honrar a memória de Adolpho, fizeram uso da palavra os confrades Omar da Rosa Santos, José Carlos do Vale e Antonio Edgídio Nardi. Lembrou Omar, naquela ocasião, que ele e Adolpho se aproximaram em três momentos distintos e, ao discorrer sobre eles, elogiou o refinamento das intervenções do nosso colega que partiu. Em todas as falas, os colegas lembraram o espírito multifacetado que habitou o corpo de nosso confrade Adolpho e o privilégio que tiveram de conviver com sua figura emblemática. Seu legado jamais será esquecido entre nós.
Também rememoro a partida do confrade Orlando Marques Vieira no apagar das luzes de 2023, precisamente em 29 de dezembro. Ele era um ícone desta casa pelo seu bom humor e fidalguia. Aliás, sobre essas características, seu conterrâneo e nosso confrade J.J. Camargo discorreu em sensível artigo ao relembrar momentos marcantes que a ambos interligaram, enveredando por uma das obras do realismo fantástico de Gabriel García Marquez para então sintetizar uma das consequências do decesso indesejado, que é a ausência dos amigos. Concordo ser esta uma das maiores perdas e faço coro ao Apóstolo São Paulo, quando alerta: a morte é o último inimigo a ser vencido.
Mas assim como as despedidas são necessárias em minha fala, igualmente o são os meus votos de boas-vindas aos que ingressam como os novos argonautas nesta vetusta e sólida nau já sob os auspícios da era inaugurada pela nossa presidente.
Assim, nesta condição, chega a esta Casa, para engrandecê-la ainda mais, o Professor Doutor Marcelo Zugaib, ilustre representante da área da Ginecologia e Obstetrícia, que tomou posse em concorrida solenidade ocorrida no dia 18 deste mês. Ao iniciar seu discurso, nosso agora confrade deu espessura antropológica à palavra “pertencimento”, quando salientou que “o desejo por ter relações interpessoais é uma motivação fundamentalmente humana e dela advém o júbilo do pertencimento. Os seres humanos necessitam da convivência, as relações próximas trazem vantagens evolutivas e beneficiam a vida”, e aí que se realça “a significativa sensação do pertencimento a este grupo seleto e a esta que é a mais antiga instituição científico-cultural do país”.
Fez distinção ainda entre as palavras pertencer e pertencimento, quando em seu discurso explicitou que “pertencer é fazer parte de um processo e por ele ser ou estar aprovado, enquanto pertencimento é ser membro de uma coletividade na qual símbolos expressam valores e aspirações, trazendo à tona o que verdadeiramente importa: a troca, o crescimento, a contribuição e a parceria”. Destacou, então, o mérito de ser o primeiro a tomar assento acadêmico na gestão da presidente Eliete Bouskela, assim como assinalou o fato de ambos serem descendentes de imigrantes aguerridos que para cá vieram erguer sonhos e histórias.
Naquele momento solene de posse do confrade Marcelo Zugaib, nossa presidente Eliete Bouskela evocou um dos segredos da longevidade de nosso sodalício, num mundo em que coisas e pessoas desmancham no ar, dada a volatilidade do mundo moderno: a união entre tradição e modernidade, esses dois polos aparentemente contrários, mas que interagem, dinamicamente, em qualquer sociedade que tenha responsabilidade com o futuro. A presidente também aproveitou para destacar que o sentimento de pertencimento mencionado no discurso do então empossando é um dos mais importantes que o ser humano pode experimentar.

Bem, senhoras e senhores,
No decorrer destes 195 anos, assomaram à cadeira da presidência de nossa Academia 45 notáveis médicos. Muitas foram as ocasiões em que experimentamos a dor da saudade seguida da alegria da renovação, quando a caminhada inexorável do tempo ensina-nos o quão precária é a existência, e o quão bem-vindas são as sucessões das cadeiras de membros titulares, correspondentes e honorários. A Academia Nacional de Medicina é um patrimônio da inteligência brasileira, guardiã e promotora do saber médico.
Que nesta Casa, à semelhança das palavras do Apóstolo Paulo na segunda epístola aos Coríntios, permaneçam sempre a fé, a esperança e o amor. Que sejamos sempre discípulos devotados do conhecimento, da ciência, sem jamais esquecer, à maneira de Chaplin, a diferença que separa o comportamento maquinal e frio da relação calcada em princípios humanos e solidários.
A catedral do conhecimento, da ciência e do saber médico prosseguirá, ciente de sua responsabilidade em preservar a memória, em celebrar o presente, em antever e calçar os caminhos para o futuro.
A Academia está viva. Viva a Academia Nacional de Medicina!
Deus abençoe a todos!
Muito obrigado!