ESTRELAS DE UMA INFINITA CONSTELAÇÃO – PARTE II
“Há muitas outras escritoras que nasceram ou que vivem no Maranhão e que merecem destaque. A relação não se esgota aqui e possivelmente pode dar margens para inúmeros trabalhos de análise”.
Convidado APB: José Neres – Professor e membro da AML, ALL, Sobrames-MA. Comenda Gonçalves Dias, concedida pela Academia Poética Brasileira.
Há algumas semanas, neste mesmo espaço, comentei, de modo bastante sintético, o nome, a obra e o estilo de algumas escritoras maranhenses contemporâneas que têm produzido obras de excelente nível, mas que nem sempre são lembradas, lidas e estudadas. A lista é sempre vasta e, possivelmente, inesgotável. Contudo, acrescentarei alguns nomes à relação anterior, porém com a certeza de que cairei no inevitável abismo das omissões e dos olvidos.
Nascida na cidade de Arari, a jovem escritora Samara Laís Silva adotou o nome literário de SAMARA VOLPONY e já publicou dois livros de autoria individual – Contramaré (2017) e Lua de Memória (2021) – e tem participado de antologias e coletâneas. A poesia de Samara Volpony reflete não apenas suas leituras, mas também enfatiza uma intrínseca relação entre as diversas perspectivas vividas pelo ser humano. Ela aproveita detalhes aparentemente insignificantes do dia a dia e, a partir de observações pertinentes, traça um percurso poético bastante pessoal e eivado de referências que podem ser compartilhadas com o leitor sem perder as singularidades da autora. Não é à toa que ela constantemente investe em verbos e pronomes em primeira pessoa. Trata-se de um toque pessoal na busca de representar o que sai de si, mas que não é somente seu… é humano, essencialmente humano.
Confissão (Samara Volpony)
aos domingos
dói-me
o inútil pecado
confesso
concordo
calo
ficamos assim.
(Contramaré, pág. 40)
Outra escritora que vem se destacando tanto nos terrenos da crítica quanto na produção de textos poéticos é GABRIELA LAGES VELOSO. Coautora (com a professora Jeanne Ferreira) do ensaio “Através dos espelhos de Guimarães Rosa e Jostein Gaarder” (editora Diálogos), ganhadora de diversos prêmios literários e com participação em diversas obras coletivas, ela demonstra um bom grau de conhecimento da técnica de tecer versos associado à capacidade de traduzir imagens mentais em forma de palavras. Em versos geralmente sincopados que obedecem ao ritmo impresso pelo tema do poema, essa escritora não se limita a alinhas palavras em uma folha de papel ou na tela de um aparelho eletrônico, ela procura impregnar seus textos de incômodas verdades que deixam de ser um reflexo exclusivo do eu lírico para tentar atingir o olhar e a sensibilidade de um outro ser (des)conhecido e (i)nominável, mas que que pode habitar as entranhas de quem pousa os olhos nas páginas de sua poesia, conforme pode ser visto abaixo.
Esfinge (Gabriela Lages Veloso)
Calmaria.
Grito abafado.
Mergulho dentro de si.
Várias vozes falam em uníssono.
O silêncio é ensurdecedor.
Essencial.
Inadmissível.
Vital.
Várias imagens simultâneas.
O silêncio é caleidoscópio.
Paz.
Imposição
Espelho.
Várias linhas de um mesmo novelo.
O silêncio é tecitura.
(Antologia Ruas descalças)
INÊS PEREIRA MACIEL é uma escritora e advogada maranhense que tem investido bastante na literatura. É autora do romance Virna (2014), do livro de crônicas Ramas do Tempo (2003), do livro infantil A Menina dos Olhos de Peteca (2014) e do livro de poemas Despida (2008). Seja em prosa, seja em versos, essa escritora preza pela poeticidade das palavras e faz questão de mesclar formas que vão do soneto aos versos livres, mas não descuida do ritmo, que se torna um elemento primordial na construção de seus textos. Seus temas são diversificados e vão desde mergulhos na metalinguagem até rememorações poéticas de passagens de sua infância, passando por observações do cotidiano, questões sociais e declarações de amor. Em seus textos, ela aposta na leveza das palavras e das construções sintáticas. Seus textos podem ser lidos e apreciados por leitores das mais diversas idades e formações sem perda de conteúdo e sem dificuldade de perceber as várias nuances “pintadas” pela autora caxiense em seu percurso poético.
Pétala no Chão (fragmento – Inês Pereira Maciel)
Vamos, jogue fora essa solidão,
Pois a poeira é pétala do chão…
Lance o olhar além da escuridão,
Pois a poeira é pétala do chão…
Plante a semente da nova ilusão,
Assuma todo o risco que é viver,
Recomece, refaça sem temer,
Pois a vida é um eterno refazer…
(Despida, pág. 57)
A médica e escritora maranhense que há muitos anos adotou o Maranhão como morada, MÁRCIA SOUSA é uma escritora que, até onde sei, ainda não publicou um livro individual de poemas, mas que tem tido relevante participação no âmbito literário maranhense, participando de recitais e antologias. Seus poemas costumam trazer temas ligados tanto à saúde física quanto à mental em uma dicção bastante pessoal e que instiga o leitor a imaginar o que existe por trás das palavras não ditas. Em linhas gerais, a ideia de Márcia Sousa em seus poemas não é deslindar para os leitores o que poderia ser dito com outras palavras, mas sim demonstrar que é possível compor versos simples, mas com conteúdo.
Segredo (Márcia Sousa)
Atrás da porta
Há um segredo
Um medo
Um desejo
Há uma espera
Uma cama
Uma vela
Há um espinho
Um caminho
Sem volta.
(V Antologia Sobrames-MA, pág. 184)
A também médica e escritora SOCORRO VERAS costuma trazer em seus versos as vivências do ambiente hospitalar, mas tratados de forma poética, de modo a não chocar quem não esteja habituado a esse meio. Em alguns momentos, seus poemas remetem a orações proferidas no intuito de salvaguardar quem esteja ou se sinta desprotegido nas desconfortáveis situações de enfermidade. Ela deseja de alguma forma “transformar as dores em flores”. Mas também seus versos, em alguns momentos, remetem a um erotismo velado, como pode ser antevisto em seu livro de estreia, já algumas vezes prometido, mas, ao que parece ainda não publicado, que tem como título “Eu, Nua e Pura: 100 poemas por amor”. Uma breve amostra dessa carga de sensualidade feminina pode ser vista no poema abaixo, originalmente escrito todo em letras maiúsculas, como ocorre em vários poemas da autora:
EXPLICANDO LÁGRIMAS (Socorro Veras)
VENTO DE MAR
ÁGUA DE CHUVA
PINGOS DE SUOR
GOTAS DE PRAZER
(V Antologia Sobrames-MA, pág. 321)
Há muitas outras escritoras que nasceram ou que vivem no Maranhão e que merecem destaque. A relação não se esgota aqui e possivelmente pode dar margens para inúmeros trabalhos de análise.