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Perfil do Ocupante(a)
Alexandre Maia Lago
- Cadeira:
- 27
-
Naturalidade:
- Data de Nascimento:
- Data da Eleição
- 21 de Julho de 2023
- Data da Posse
- Recepcionado(a) por:
- Antecedido(a) por:
- Magson da Silva
Senhor Presidente da Academia Maranhense de Letras, Desembargador Lourival Serejo, e demais membros deste venerando Sodalício;
Excelentíssima Senhora Desembargadora Sônia Amaral, na pessoa de quem saúdo a todos os colegas da comunidade jurídica maranhense;
Querida Professora Arlete Nogueira da Cruz, em nome de quem saúdo todos que pertencem à comunidade literária da Atenas Brasileira;
Dr. Roque Macatrão, Decano da Academia Ludovicense de Letras, na pessoa de quem saúdo todos os confrades e confreiras da Entidade que tenho a honra de integrar;
Meus familiares e amigos presentes a este momento inefável;
Senhoras, Senhores:
Tendo conhecido prestigiosos vultos da intelectualidade maranhense, em dias que já declinam na curva do tempo, pessoas que me abriram veredas durante anos, com sua experiência e seu acervo de realizações, e hoje, aqui e agora, convivendo com tantos outros que condividem comigo o tesouro de seu exemplo e sua estima, não é senão com íntimo, sincero e profundo sentimento de humildade que tomo chegada a esta Instituição mais que centenária.
Há uma época da nossa vida em que as horas parecem escoar-se em ritmo distinto do convencionado nos relógios e calendários. Os dias são desmesuradamente extensos. Os meses guardam acontecimentos por demais. E o ano encerra uma jornada milenar. Importantes, então, são apenas o reencontro diário com os colegas na escola, o aroma dos livros didáticos, os sabores da cantina, as novidades que soam extraordinárias, trazidas por homens e mulheres sábios, os mestres do nosso cotidiano estudantil. A palavra férias significa um paraíso periodicamente procurado. E, de novo, pedimos que as horas terminem, para voltarmos com renovadas alegrias ao que logo percebemos ser outro paraíso: a própria escola. Mas o tempo, caprichoso, demora a passar.
É a quadra da vida em que desconhecemos como tudo chega facilmente às nossas mãos: a roupa, o brinquedo, a bola, o tabuleiro… E, entre os nossos compromissos mais sérios e de relevância inadiável, estão o jogo de futebol no campinho perto de casa, o álbum de figurinhas e os desenhos-animados na televisão.
Mais adiante, séculos já diremos passados, e chega outra fase maravilhosa, repleta de saudáveis irresponsabilidades, tolas aventuras que julgamos épicas, opiniões peremptórias sobre a política e os desacertos do mundo que consertávamos facilmente numa noite de boemia. Tempo de negligências dos estudos das Ciências Exatas: afinal, as leituras sobre o Império Romano, a Revolução Francesa, a Era Napoleônica e o Marxismo são mais urgentes para a mudança que iríamos realizar no mundo. E estamos convictos de vivermos para tal fim.
Um dia, como quem acorda de um sonho bom, somos surpreendidos com um tempo absolutamente distinto de tudo o que vivêramos: a vida adulta, como será até o fim. Tudo é mais complexo, o cotidiano é repetitivo, por vezes tedioso. As atribulações são muitas, e nada nos chega com a facilidade de outrora. Entendemos melhor a metáfora do Pecado Original e da Queda, quando lançado sobre os homens o anátema da dificuldade que seria viver. E aquele tempo que se foi… era mesmo um paraíso. Agora, viver é combater e conviver com incertezas. E a própria vida é a espada de Dâmocles sobre nossa cabeça. Os dias parecem curtos como por efeito de sortilégio. Os meses são fugazes, o ano voa como se necessitasse compensar-se da lentidão do passado. Experimentamos a brevidade da vida.
Os momentos de grande alegria e felicidade ainda subsistem. Mas perderam a majestade da regra. São exceções. Talvez seja essa a sabedoria da existência: impelir-nos a desfrutar cada momento de alegria, tão mais raro, valorizando a sua preciosidade, e recebermos com espírito humilde e jubiloso cada conquista. Pois são dádivas que muitas vezes só nos alcançam como mistério. Seja como for, é maravilhoso recebê-las.
Irrefutável, porém, é que nenhuma conquista deve ser considerada fruto de exclusivos méritos nossos. Quero dizer: Ingressar hoje na Academia Maranhense de Letras não é conquista apenas minha.
Um apanágio da maturidade é a reflexão mais sensata. Assim percebi o quanto, desde sempre, sou afortunado pelas bênçãos divinas. Cito algumas: ter nascido em um meio familiar em que não sofri privações materiais, e ter recebido as bases fundamentais para a leitura, condição sine qua non para o exercício da escrita. Meu pai, Nonato Lago, de quem, por mimetismo, assimilei o gosto pelos livros; minha mãe, Ana Maria, falecida em 2004, minha primeira professora, orientando meus ditados e cópias.
O destino continuou dadivoso, e trouxe minha mulher, Cristiane, meus filhos, Mateus, Marina e Alexandre Filho, estoicos ouvintes das leituras de meus textos; meu neto Benjamin, a súbita alegria que aumentou a nossa família; meus avós, em particular minha avó materna, Ana Amélia, de quem lembrarei o convívio mais próximo e suas lições de saúde, aos 93 anos; minha irmã, Ana Cristina; meus tios e tias, primos e sobrinhos. Uma família com as idiossincrasias de todas as famílias, e da qual sempre procurei extrair o melhor, o positivo, o bom da vida.
E meus amigos fraternos de longa data, com os quais chego a este momento com jubilosa alegria. Por tudo isso, dou graças a Deus nesta noite!
* * *
Eu sou um sonhador, e não menos sonhadores o foram o patrono e os outros homens que ocuparam a Cadeira nº 27 desta Casa.
O PATRONO
O patrono, Francisco Dias Carneiro, nasceu no dia 23 de novembro de 1837, na Fazenda Por Enquanto, sertão de Passagem Franca, ponto onde se bifurcam as águas do Itapecuru e do Parnaíba. Sua família vinha de raízes latifundiárias e da tradição política. Quando eclodiu a Balaiada, alastrando-se o temor ante a sanha dos revoltosos e a reação do Poder Constituído, trazendo incertezas próprias da guerras civis, quanto aos dias vindouros, lá estavam os Dias Carneiro. Pegaram em armas, sitiaram a cidade de Caxias, sofreram revezes e, ao final, vitoriosos, José Dias Carneiro, pai do primeiro homenageado desta noite, regressou à sua propriedade. Lá estava Francisco, o primogênito, que seria influenciado e absorvido pelo ambiente da lavoura e da política.
Trilhando os caminhos dos jovens de famílias abastadas de seu tempo, Francisco veio para São Luís, fazer os estudos secundários, seguindo depois a estudar na Faculdade de Direito de Recife.
Em São Luís, já havia debutado na poesia, arriscando uns sonetos, pendor que expandiu na faculdade, onde também entregou-se a profícuas leituras literárias, a ponto de quase prejudicar-se em seus estudos jurídicos.
De volta à terra natal, foi nomeado Promotor Público (antiga nomenclatura do Promotor de Justiça) em Pastos Bons, função que exerceu por dois anos. Voltou-se à atividade de produtor rural, também por pouco tempo, e veio para a capital estabelecer-se com banca de advocacia. Beirando aos quarenta anos, casou-se com uma jovem da aristocracia, Ada Martins e Silva, filha e neta de ministros do Supremo Tribunal de Justiça (antiga nomenclatura do Supremo Tribunal Federal). O casal tinha hábitos e gênios muito distintos. Ademais, a mulher estava habituada às cidades grandes, e o marido mantinha-se ainda aferrado à vida do campo. O que não foi um consórcio feliz chegou a termo após seis anos, com a morte de Dona Ada.
Viúvo, Francisco regressou a Caxias. Por aquele tempo, publicou um livro de poesia, que não fez ruído, dizem que por causa da modéstia do autor. Colaborou num trabalho humorístico de Joaquim Serra, crítica à Escola Coimbrã, de Antero de Quental. Sílvio Romero, em sua História da literatura brasileira, chegou citá-lo positivamente entre os poetas da “Geração do Norte” que buscavam “intuitos mais objetivos, mais exteriores, mais gerais” que os de São Paulo. Conhecendo a pena implacável de Romero, podemos afirmar que Dias Carneiro recebia, aí, um selo de qualidade.
Até àquelas alturas, malograram suas tentativas de exercer um ofício com bom êxito. Nem produtor rural, nem advogado, nem poeta. O que lhe saía das mãos soava a diletantismo. Seu temperamento não era dos mais fáceis. Ele próprio, consciente disso, parece justificar-se nas entrelinhas de um poemeto um tanto explicativo, intitulado
NINGUÉM SABE
Se algum amigo me taxa
De homem de vida esquisita,
Que seus deveres relaxa,
E a sociedade evita,
Respondo-lhe: – Bom amigo,
És muito sábio e prudente,
Mas o que sofro comigo
Ninguém o sabe nem sente.
Chegou a hora de cessarem as veleidades literárias e jurídicas. Dias Carneiro busca o caminho da Indústria. Quando a cana-de-açúcar enfrenta nova crise, por volta de 1860, ele é motivado pela possibilidade de outras culturas, num Estado favorecido pelo clima, a fim de superar o permanente risco da monocultura. Brinca consigo, dizendo que “a sociedade lucraria em fazer de um mal poeta, pelo menos, um bom operário.”
Vemo-lo, pois, grande produtor de algodão. Espírito vanguardista, implementa reformas no sistema tradicional da lavoura. Atento ao cientificismo “que acompanha a melhoria nas atividades”, funda a Companhia Industrial Caxiense. É o alvorecer da indústria têxtil no Maranhão, que ele desenvolverá às próprias expensas, pois o ceticismo geral impera, de ordinário, nos empreendimentos originais.
Dias Carneiro ingressa na política, e leva ao Parlamento propostas econômicas baseadas em seu tino prático. Preocupa-se com a necessidade de reflorestamento à margem dos rios, que lhes garanta permanente navegabilidade. Defende a livre concorrência e uma ingerência estatal apenas discreta nos assuntos econômicos privados.
Mas o idealizador laborioso padece de não ter bons sócios, e o Estado não lhe socorre os recursos mínimos que lhe cabia. A Companhia Industrial Caxiense vai à falência.
Ter imaginado a sociedade maranhense com mentes e espíritos abertos ao empreendedorismo, um desenvolvimentismo à América do Norte, demonstra o quanto o poeta da juventude não lhe desertara de todo a alma.
Francisco Dias Carneiro morreria desalentado e em dificuldades financeiras, em 17 de janeiro de 1896.
OUTRO EMPREENDEDOR
A Cadeira que tem Dias Carneiro como patrono seria ocupada, em 8 de setembro de 1951, por um homem também da iniciativa privada, Arnaldo de Jesus Ferreira, líder da classe empresarial, presidente por longo período da Associação Comercial do Maranhão.
Contemporâneo de uma época em que as elites maranhenses ainda se deleitavam com o charme irradiante das Letras em nosso meio social, herança envaidecida de tempos idos, proclamada e ostentada nacionalmente, Arnaldo Ferreira também deixou contribuição nessa área. Devotado estudioso da nossa História, deixou valiosos apontamentos sobre os jesuítas, fonte preciosa para o melhor conhecimento dos nossos primeiros educadores, a quem tanto deve a civilização brasileira. Sua vasta biblioteca ganhou notoriedade e fama na cidade como fonte primordial e imprescindível para o labor da pesquisa. Arnaldo Ferreira nasceu em 6 de outubro de 1904 e deixou este plano da vida em 13 de outubro de 1958. Além de componente destacado deste Cenáculo, foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão essa respeitável instituição que já reuniu notáveis estudiosos de nossa História e Geografia.
O FUNDADOR DA CADEIRA
Antes dele, e depois dele, a Cadeira nº 27 foi ocupada por intelectuais sem vínculos com a atividade empresarial. O primeiro foi o fundador, Cândido Pereira de Sousa Bispo, cuja existência foi toda um inventário de vicissitudes, superação, vitórias e peripécias de epopeia.
Sousa Bispo, tal qual o patrono, é também filho do Sertão. Nasceu no mesmo ano da morte do patrono, a 3 de outubro de 1896. Ao contrário deste, porém, é oriundo de humilde família de camponeses de Grajaú. As perspectivas de ascensão social e intelectual aos nascidos em tais circunstâncias não apontavam outro caminho senão uma vida inteira na lavoura de subsistência, a escuridão do analfabetismo, o envelhecimento precoce.
Escapar do previsível destino, superar as limitações do nascimento em uma família desprovida dos rudimentos da instrução formal, contornar a feroz máquina de destruir talentos que o país mantinha, demandava uma hercúlea força de vontade. E ele transpôs obstáculos sem conta em seu caminho vindo a tornar-se proeminente figura no contexto intelectual do Estado.
Sousa Bispo tinha dois anos de idade quando, em busca de melhores dias, seu pai deixou a família e partiu para o Amazonas, no fervor do Eldorado dos seringais, armadilha disfarçada de redenção aos que pouco ou nada possuíam, ilusão que a tantos tragou, e apenas com uma ínfima parte foi benevolente. O pai saiu no rastro da aventura. Nunca mais voltaria. A mãe mudou-se com o filho para Barra do Corda, que foi matriculado, aos cinco anos, na escola municipal daquela cidade. Eis, então, invisíveis mãos conduzindo o caminho do futuro acadêmico no rumo da Educação.
Em paralelo aos estudos, exerceu muitas atividades para sobreviver: foi boiadeiro, quitandeiro, magarefe e peão de fazenda.
Aos catorze anos, veio para São Luís. Aqui, o predestinado encontro com o mestre Nascimento Morais (que secretariou e presidiu esta Academia), e este passa a lhe ensinar sem cobrar pelo ensino, decerto antevendo o que poderia resultar da empreitada, uma vez que o pupilo promissor recebesse o aprimoramento da educação que firmemente perseguia.
Sousa Bispo tornou-se jornalista, professor e, após sucessivas interrupções, formou-se em Direito.
Na São Luís dos anos 1950, uma atmosfera de revigoramento cultural envolvia a cidade. Revistas e jornais veiculavam ideias de movimentos que pleiteavam retomar a glamurosa tradição das boas-letras em nossa terra. Era o ambiente propício ao espírito vocacionado, ao labor incansável desse homem de firmeza exemplar de propósitos.
No jornal O Sertão, Sousa Bispo cuidava de problemas sociais e administrativos do Estado, denunciando o descaso e abandono das pobres gentes dos nossos grotões interioranos. Ao mesmo tempo, o seu olhar vigilante sempre se ocupava de assuntos literários. Intentou um passo mais ousado quando, adiante, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde escreveu para jornais e revistas, chegando a fundar uma, chamada Tupi, veículo das coisas do Brasil sertanejo e do Maranhão.
E assim foi: por onde passasse, o denodado maranhense fundava jornais. E foram muitos lugares que percorreu em sua vida bastante atribulada: quase uma dezena de cidades maranhenses, interior do Pará, e Xingu. Era uma vontade invencível, uma curiosidade sempre insatisfeita, de ir à procura de novas experiências. Porque, se nada tivesse Sousa Bispo realizado no campo da escrita, um feito, sem dúvida, lhe garantiria lugar no Livro dos recordes, se este já existisse: em 1922, ele saiu do Rio de Janeiro e veio até São Luís, a pé. Resolveu palmilhar, ele mesmo, os caminhos trilhados pelos bandeirantes e outros aventureiros que, por três séculos, ampliaram e definiram a extensão e a ocupação do nosso imenso território. Quis repetir e viver a heroica epopeia. E o fez. Embrenhou-se em florestas, margeou rios, subiu montanhas, passou em muitos povoados perdidos na imensidão do país. Resistiu a intempéries e viu belezas sublimes. Fez anotações e reuniu material para um livro sobre a rota dos bandeirantes.
Em 28 de julho de 1923, data da Adesão do Maranhão à Independência do Brasil, chegou a nossa cidade, mais de um ano já passado de sua saída da então capital do país.
Seu amigo, o ilustre conterrâneo Coelho Neto, escreveu: “Quando Sousa Bispo me mostrou o roteiro da viagem que ia empreender ao Maranhão, a pé, confesso que confiei tanto em tal aventura como confiaria se ele me houvesse anunciado a sua partida próxima para Saturno. Meu erro” – continua o grande romancista – “foi ver o homem na aparência. Conhecesse-lhe a têmpera da alma, e não teria duvidado do que ele realizou com tanta serenidade e heroísmo”. Eram palavras que apontavam a compleição física franzina do destemido jornalista e pesquisador maranhense.
Em 1948, esse lutador temperado por adversidades e insólitos enfrentamentos, tantas e tantos, ingressou no Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e na Academia Maranhense de Letras. Aqui tendo tomado posse no dia 17 de maio de 1948, sendo recebido por Assis Garrido.
Morreria subitamente dois anos depois, em 15 de julho de 1950.
Bispo deixou muitos textos jornalísticos, além de trabalhos sobre História e Geografia.
O ANTECESSOR
Nesta Corporação de Operários das Letras, fui chamado a suceder a Magson Gomes da Silva. Intrigava-me o fato de ser ele o único ocupante deste Condomínio a quem eu não conhecia. Conforme afirmei há pouco, eu privava da amizade de alguns. Com outros, travei conhecimento em razão de suas atividades literárias ou por sua qualificação de homens públicos. Na página oficial da Academia na Internet, as informações sobre o meu antecessor são precárias e escassas. Foi lá que deparei esta nota que eu diria imprevista, senão mesmo imprevisível, em descrição do seu perfil: “De temperamento retraído, chega a ser até mesmo esquisito”. Características que se dizem, quando ditas o sejam, em referência a terceiros, em caráter recomendavelmente reservado. No caso, porém, lá estão postadas, para a leitura pública, sem arrodeios ou meias-medidas, o que só pode ser interpretado como um retrato falado, muito fiel, ao qual serviria de cópia o depoimento que ouvi de alguns de seus confrades, que me reafirmaram conhecê-lo não mais que de nome.
A imagem, por todos os ângulos excepcional, que se fixou à minha retentiva intensificou-me a motivação e o interesse por melhor saber do tipo humano que por ela se escondia ou camuflava, talvez porque – e para o que fui induzido por minhas leituras de obras ficcionais – esse tipo de misantropia remete, muitas vezes, a personagens tidos como excêntricos. Veio-me à memória que, de tais “esquisitices”, o mundo literário é pródigo em exemplos. Lembremos, nos domínios da Província, o velho Sousândrade das memórias de Humberto de Campos. No Brasil de hoje, é bastante destacar, espécime arredia, o paranaense Dalton Trevisan.
Aos poucos, valendo-me de informações fragmentárias, eu ia consolidando o Personagem. Homem de poucas palavras, diziam uns. Comprometia-se com o primeiro que lhe pedisse o voto para a Academia. E o cumpria. Alguns, de bom humor, afirmavam que ele não existia, era só uma lenda acadêmica. Às vezes, em cerimônias neste recinto, a chegada de um desconhecido fazia surgir contidos comentários: “É ele?” “Acho que sim, acho que não”. Nunca era. Há quatro décadas, ele deixou de frequentar a Academia, da qual era um quase decano. E, nos últimos anos, em razão de graves problemas de saúde, nem saía de casa.
Sem bom êxito em conhecê-lo pessoalmente, enveredei por outro caminho. Não sendo incomum nos textos de um escritor, principalmente os tímidos e silenciosos, esconder seu alter ego, encetei a leitura dos livros de Magson Silva. Dei-me de frente a páginas de sensibilidade poética, de um romântico tardio, praticante da métrica tão desprezada na sua geração de concretistas. Num agosto do final dos anos 1950, o poeta oferecia estes versos a uma sua musa:
MULHER SEDUTORA
Este soneto é teu e teu somente!
Nele lerás as confissões de amor
De quem sente por ti um amor ingente
Vênus morena, minha linda flor!
Os belos olhos teus, mulher ardente,
Beijam-me assim…apaixonadamente…
Quero sentir teu beijo abrasador…”
Por ti, meu coração é – mar de amores,
Trazes no seio o aroma perfumado
Das mais olentes e formosas flores.
Teu corpo escultural, morena linda,
Faz-me de amor ficar enfeitiçado
E amar-te assim… com uma paixão infinda.
Suas musas não eram imaginárias. Ele fez dedicatórias explícitas a algumas delas.
Mas não apenas versos amorosos ecoavam das páginas do poeta. Uma preocupação social desvela-se em estrofes de seus poemas, como podemos ver em
QUADRO DE DOR
Quantos pais de família, em aflição,
Não têm tirado a vida, ao ver no chão
Seus filhos pequeninos, soluçando,
Em volta da mulher, que está rezando,
Pedindo a Deus que mude aquela cena,
Que se apiede da dor, que mete pena!
Quanta miséria em meu país se espalha!
O frio, pede o pano que agasalha!
A boca, pede – o pão que mata a fome!
Remédio, o corpo à doença que o consome!
E onde encontrar essas miragens, onde?
Se para o pobre, a sorte, a vida esconde?
O poema é longo. E carregado de denúncia social.
Nenhum caminho se afigura mais acertado para chegar ao escritor, que não seja conhecer aquilo de que seu coração está pleno. Assim o conheci, sem nunca tê-lo encontrado.
Tal foi o poeta que fez carreira como bancário no Banco do Brasil, e entrou nesta Casa em 23 de outubro de 1959. Sua alegada “esquisitice” é provável fosse apenas um estudado alheamento a um mundo que, tantas vezes, não nos reserva mais que venenosas flores, espinhosos buquês e o zunir de espadas.
Magson Gomes da Silva, nasceu em São Luís, a 23 de maio de 1933. Fez o curso primário na Escola São Luís Gonzaga e concluiu o ginasial no Liceu Maranhense. Transferiu-se para a definitiva imortalidade em 24 de dezembro de 2022.
Ao rol unânime e uniforme de amantes das Letras, cujo proveito na vida não terá sido mais que a satisfação interior de às Letras avassalar-se, associa-se, agora, este que diante de vós se apresenta, para assegurar o sortilégio do Sonho na Cadeira nº 27 da Academia Maranhense de Letras.
LITERATURA E VIDA
Esta velha instituição, traz consigo, a aura de celeiro e de farol. Aqui se guarda e se preserva o estoque de criação artística que é sinete perpetuador e purificador de nossa humanidade. É dever ampliá-lo, para usufruto, sobretudo, das gerações jovens. Não pode soar redundante, neste momento, reafirmar que uma sociedade em que se mantenha o apreço à arte da palavra escrita está indubitavelmente à frente daquela que a menospreza. Não se trata de um deleite utópico, é uma exigência da vida, o oxigênio que se respira, a permanência do espírito em nossa carne.
Na verdade, nenhuma arte expressa e manifesta melhor a essência da nossa humanidade do que a Literatura.
Não faltam, é bem sabido, os que proclamam que a literatura, hoje, é repetitiva, desprovida de originalidade. Nada de novo. Aliás, saber que nada há de novo sob o Sol é tão antigo quanto antigo é o rei Salomão. Reconheço mesmo que a originalidade literária está exaurida desde o último século antes da Era Cristã. Pois, que àquelas alturas, o Mahabharata, o Ramayana, a epopeia suméria de Gilgamesh e o Velho Testamento, já haviam deitado as sementes de compreensão do Bem e do Mal, em prosa e em verso. E rudimentares tabletes de argila, papiros e pergaminhos encerravam os imagináveis matizes do comportamento humano: os sete pecados capitais e outros mais que lhes foram acrescentados, a guerra e seus mil motivos, aventuras, viagens a lugares desconhecidos, as conquistas dos povos, a covardia, a traição, o ódio, as faces infinitas da maldade, as misérias todas e todas as fraquezas humanas, em simbiose com a generosidade, a grandeza, a humildade, o heroísmo, o amor mais sublime e a desprendida entrega.
Caros amigos e generosos ouvintes, é apanágio da Literatura o poder – o dever – de encantar. Por essa razão, é que os séculos se passam, e os livros sempre chegam até nós com a sensação mágica da novidade. Pois todo encantamento é feito de formas e fórmulas que se repetem e se repetem e se repetem. E assim será, enquanto se possa enxergar o rastro do humano sobre o pó da terra. A nossa perenidade é feita de repetições.
Bem de propósito, e a propósito, cito Roland Barthes: “Se, por não sei que excesso de socialismo ou de barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento literário.”
A um leitor de Charles Dickens e Jonathan Swift, ao pisar no mundo de Oliver Twist, Tempos difíceis, Os sinos, Uma canção de Natal, As viagens de Gulliver, ou Uma modesta proposta, não lhe será permitido estar desatento ou alheio aos dramas sociais causados pela voracidade daquele capitalismo primitivo, filho do ganancioso sistema industrial nascente, sistema que em algumas plagas esquecidas desse mundo ainda vigora sob falsas aparências, até de decoro e filantropia.
Respirar a inebriante atmosfera de que se impregnam muitas páginas de Voltaire, Eça de Queiroz, Heine ou Chesterton é aguçar a consciência sobre as muitas formas como a Literatura reinventa o humano. O jovem, cuidadoso leitor habitual, desperta ante a capacidade profética de escritores que, muitas vezes, se anteciparam à ciência, idealizando feitos que no futuro sairiam do campo da ficção: assim, Júlio Verne, com o submarino e as incursões às profundezas oceânicas, o foguete e as viagem espaciais; H. G. Wells, com a manipulação biológica de animais e o laser; Cyrano de Bergerac, ainda no século XVII, escrevendo a espantosa criação de uma máquina com a qual se podia “ler com ouvidos”, ou seja, o futuro gravador. Em sentido reverso, nem um pouco otimista, podemos lembrar o Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, e George Orwell decretando com o seu Big Brother, o fim da privacidade da vida individual e a anulação da própria pessoa humana; ou Kafka concebendo o labiríntico absurdo em que muitas vezes nos encontramos no correr da vida.
CONCLUSÃO
Faço profissão de fé no poder iluminador da Literatura. Foi essa a razão por que desejei ingressar nesta Casa
Desde cedo fui um amoroso leitor, sobretudo, de jornais, que mais de imediato me vinham às mãos. Interessava-me a política. Logo me chamou atenção que um mesmo fato pudesse ter versões absolutamente díspares, a depender da tendência política de cada jornal. A notícia da aparição de um homem público em um evento era estampada no dia seguinte: “Fulano foi calorosamente aplaudido”, e em outro jornal, podia-se ler: “Fulano foi estrondosamente vaiado”. Nunca mais duvidei que os jornais são também um gênero de literatura de ficção.
Porém, mais que a política, interessavam-me os assuntos literários e a crônica. Foi quando me deparei com os textos refinados de Josué Montello e Lago Burnett no Jornal do Brasil. E, aqui na província, as saborosas colunas semanais de José Chagas, Joaquim Itapary e Américo Azevedo Neto, nomes que menciono, apenas para fazer exemplo.
Dos mestres desta Casa, o que aprendi ao longo dos anos, suas múltiplas influências, que muito me edificaram, não cabem neste discurso, que muito se encompridaria e talvez me levasse a praticar alguma injustiça, por trair-me, não o coração, mas a emoção e a memória.
Por sua generosidade soberana, eu pude sair daquela última fileira de poltronas, onde sempre tomava lugar em todas as ocasiões em que aqui me fiz presente, e pude juntar-me aos que hoje honra-me chamar de confreiras e confrades.
Saibam que, de cada um, fui e continuo sendo seu atento e esforçado aprendiz.
Muito Obrigado!