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Academia Maranhense de Letras

Fundada em 10 de agosto de 1908

Notícia

Daniel Blume exerce lado humano, ao cumprimentar a ministra Rosa Weber, presidente do CNJ

A TOGA, A POESIA E O CONSELHO

*Mhario Lincoln

Na 356ª sessão do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, sob a presidência da ministra Rosa Weber (STF), recém-acontecida, Daniel Blume Pereira de Almeida, ilustre representante federal da OAB-MA, foi protagonista de um importante ato discursivo, ao citar condôminos poéticos extraídos de Cartola, “As Rosas Não falam”, – “aqui as Rosas falam…” (ele disse) e Joe South- “Mar de Rosas” – (adaptação do The Fevers).

Então há de se perguntar: Blume fugiu ao tradicional? Fugiu à percepção social em torno do Juiz e de Tribunais? Fugiu aos preceitos do conservadorismo ou do poder do momento soberano?

Eu respondo: absolutamente, não! Porque essas assertivas vêm ao encontro do mesmo foco verbalizado no discurso de Weber, quando diz ser a democracia “(…) uma conquista diária que pressupõe diálogo constante, tolerância, compreensão das diferenças e cotejo pacífico de ideias distintas..”.

E falo ex-cathedra, baseado na afirmação de Peter Häberle, diretor do Instituto de Direito Europeu e Cultura Jurídica Europeia da Universidade de Bayreuth, Alemanha, na obra “Um diálogo entre Poesia e Direito Constitucional”, Saraiva de Direito Comparado, ipsis litteris: “(…) o que seria das Constituições sem os poetas e as poetisas, esses ourives das palavras, escultores dos sentimentos que vivem a lapidar, desde a aurora dos tempos, a existência humana? (…) pouco restaria do Estado Constitucional sem os poetas, as poetisas e sua arte imortal”.

E mais: robusteço a essência com G. Lebovits, professor-adjunto de Direito, na Columbia Law School, quando ensina sobre a relação Poesia e Direito: “(…) a situação não é inédita nem ilegal e pode, se bem calibrada, revelar-se um instrumento capaz, não só de aproximar o Judiciário e o Direito da comunidade – como dignificar o discurso jurídico“.

De forma natural, Daniel Blume, diante de uma reunião ilibada, quando o CNJ lidava, discutia e opinava sobre as vertentes jurídico-sociais, inclusive, recepcionando a nova presidenta, acabou, nesse seu ato espontâneo, ratificando – poetica animus – todo o vigor e a essência da hermenêutica sócio-humanística desta linguagem plena da alma, muito bem delineada – personale et non transferri – por sua caligráfica vertente poética.

Foi exatamente esse lado humano que também me chamou a atenção nessa histórica reunião do CNJ, inclusive, por ter a ministra Rosa Weber como a terceira mulher, em período democrático, presidindo o aludido Conselho.

Pois bem, isso me levou imediatamente a convidar Charlie Chaplin, para que ele mesmo contribuísse neste texto com sua máxima: “Juízes, não sois máquinas! Homens é o que sois!”

Contudo, na outra ponta de entendimento está João Baptista Herkenhoff: “(…) o encontro do Direito com a Poesia nem sempre é fácil, embora o Direito e a Poesia sejam vizinhos e a Poesia engrandeça o Direito”. Mutatis Mutandi, o que assisti no pequeno vídeo a mim enviado, foi a prova legal e insofismável da sensibilidade silenciosa e atenta, entre ouvintes, conselheiros e conselheiras, todos receptivos, enquanto membros-representativos.

Destarte – e bem a propósito – encerro esta opinião, citando um dos casos mais comentados na comunidade jurídica, desde 1955. Uma conhecida manifestação petitória do lendário advogado Ronaldo Cunha Lima, ao defender um violão, usado por um grupo de boêmios em serenata, apreendido por força policial.

Na petição ao Juiz da Comarca, então, Dr. Roberto Pessoa de Sousa, em versos, Cunha Lima solicitava a liberação do instrumento musical. Abaixo, reproduzo duas quadras:

O instrumento do “crime”, que se arrola

Nesse processo de contravenção

Não é faca, revólver ou pistola,

Simplesmente, Doutor, é um violão.

(…)

O juiz ao ler a peça, assim decidiu:

“Emudecer a prima e o bordão,

Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,

É desumana e vil destruição

De tudo que há de belo no universo”.

Ora, muito mais se tem certeza de que o ato de Blume sentenciar suas palavras com excertos de grandes passagens poéticas, arguidas por respeitadas figuras públicas da MPB, é virtuoso e mereceu da ministra Rosa Weber, agradecimento emocionado.  Isso porque a reação da integrante do Supremo é um fato muito positivo não só por ter o lúmen, como por externar algo escondido lá no fundo da toga: a sensibilidade de ser humana, antes de juíza, ratificando as palavras de Chaplin.

Acredito, enfim, que as rápidas palavras de Daniel Blume, na 356ª sessão do Conselho Nacional de Justiça-CNJ, ficarão nos anais como uma forma plural e expressiva, como ato de emersão da gota humanística e sensível da ministra Rosa Weber, que, em suas palavras, asseverou: “é o CNJ raiz, que buscamos reforçar (…)”.

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Mhario Lincoln

Presidente da Academia Poética Brasileira

Sede: Curitiba-Paraná/setembro de 2022