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Perfil do Ocupante(a)
Lino Antônio Raposo Moreira
- Cadeira:
- 08
-
Naturalidade:
- São Luís, Maranhão
- Data de Nascimento:
- 15 de fevereiro de 1948
- Data da Eleição
- 11 de dezembro de 2003
- Data da Posse
- 02 de setembro de 2004
- Recepcionado(a) por:
- Lucy Teixeira
- Antecedido(a) por:
- José de Ribamar Chaves Caldeira
Nasceu em São Luís-MA, a 15 de fevereiro de 1948. Fez o antigo curso primário no Colégio Santa Teresinha, das irmãs Valois, e o secundário no Colégio Maranhense, dos Irmãos Maristas, e no Liceu Maranhense. Bacharelou-se em Economia em 1970 pela Faculdade de Economia do Maranhão. Nesse ano, fez o Curso Intensivo de Treinamento em Problemas de Desenvolvimento Econômico da Cepal. Entre 1978 e 1983, estudou nos Estados Unidos, obtendo os graus de mestre e doutor em Economia pela Universidade de Notre Dame, no Estado de Indiana. Sua tese doutoral tem o título The Choice of Technology of Multinational Corporations in Brazil and its Implications for Employment Creation (A Escolha de Tecnologia por Corporações Multinacionais no Brasil e suas Implicações para a Criação de Empregos).
Suas atividades profissionais tiveram início no Banco de Desenvolvimento do Estado do Maranhão, como estagiário, em 1968, sendo admitido como técnico de nível superior em 1970. Ocupou na instituição os cargos de Chefe da Divisão de Análise de Projetos do Departamento de Industrialização; Chefe do Departamento de Crédito Rural; Chefe da Coordenadoria de Planejamento, Organização e Métodos. Na Secretaria de Fazenda do Estado foi, entre 1971 e 1975, Assessor Especial e Instrutor do Centro de Treinamento.
Fez parte da equipe técnica (comissão central) encarregada de elaborar o Plano de Governo do Maranhão para o período 1976-79 e do grupo encarregado de elaborar o Plano de Ação do Banco de Desenvolvimento do Maranhão para o mesmo período.
De 1985 a 1990, ocupou os cargos de Secretário Adjunto da Secretaria de Articulação com os Estados e Municípios-Sarem, da Secretaria de Planejamento da Presidência da República – Seplan-PR; Secretário de Planejamento do Estado do Maranhão; Secretário Geral Adjunto da Seplan-PR; Secretário Executivo do Conselho Interministerial do Programa Grande Carajás, também da Seplan-PR. No Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, foi Técnico de Planejamento e Pesquisa a partir de 1987. No período 1990-94, foi Assessor Parlamentar na Câmara dos Deputados.
Exerceu, de 1995 a 2000, o cargo de Secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Maranhão; de 2000 a 2002, o de Auditor Geral do Estado; de 2002 a 2004, o de Secretário-Adjunto de Desenvolvimento Econômico, da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Maranhão; durante o ano de 2005, o de Assessor do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Atualmente é aposentado do Ipea e presta serviços de consultoria na área econômica.
Agraciado com as medalhas: da Ordem dos Timbiras, no grau de grande oficial, do governo do Estado do Maranhão; Brigadeiro Falcão, da Polícia Militar do Maranhão; Simão Estácio da Silveira, da Câmara Municipal de São Luís; do Bicentenário de Nascimento de Francisco Sotero dos Reis e do Bicentenário de Nascimento de Manuel Odorico Mendes, da Academia Maranhense de Letras.
Employment and Technological Choice of Multinational Enterprises in Developing Countries. International Labour Organization – ILO Publications, volume 23, 1983, pag. 1-37, em co-autoria com Lawrence Marsh, da Universidade de Notre Dame e Richard Newfarmer, do Banco Mundial; Multinationals, Employment and Income Distribution in Brazil, Journal of Economic Development, volume 19, número 1, junho de 1994, pag. 39-60, em co-autoria com Benedict Clements, do FMI; Desenvolvimento Sustentável, Ceuma Perspectivas, volume 3, agosto de 1999, pág. 39-48; Pedaços da Eternidade, livro de crônicas, 2002; Dois estudos econômicos, 2003.
Escreve crônicas semanais no jornal O Estado do Maranhão.
Talvez seja de surpresa a reação de muitos à presença entre os membros da Academia Maranhense de Letras de um economista, profissional que, frequentemente, trata com números. Mas, exceto pelo fato de serem estes letras de outro tipo e de sentir-me avalizado pelo patrono da Cadeira 8, Gomes de Sousa, o Sousinha, um matemático, acostumado, portanto, ao trato com os algarismos, devo o estar aqui à evidente benevolência dos acadêmicos em relação a meus eventuais méritos. Os confrades, ao darem apoio à minha eleição, confirmam uma das mais salutares tradições desta Casa, a da valorização da diversidade, conduta benéfica para qualquer entidade e característica do saudável intercâmbio de ideias e visões praticado nesta Casa. Não fora assim, se realizado esse diálogo exclusivamente entre os da mesma gênese, resultaria do equívoco o definhamento e não o revigoramento permanente da Academia.
Isso me leva a refletir sobre sua natureza e de suas congêneres. Elas, como disse Josué Montello em seu discurso de posse, “não nasceram para as rebeliões”? Certamente. Sociedades como essas procuram a autopreservação e, por conseguinte, tendem ao conservadorismo porque sentem o novo, o desconhecido, como uma ameaça potencial à sua sobrevivência. Percebe-se com mais nitidez essa realidade quando a própria sociedade é conservadora, postura comum na província. As academias são o produto do meio onde nascem. Têm a necessidade de manter o equilíbrio na transformação e evitar conflitos. Não assumem a liderança das revoluções, mas não se opõem às transformações aceitas pela sociedade porque conhecem esta verdade: se tudo se destrói, como desejam os revolucionários, haverá sempre um eterno recomeço a partir do nada, com perda do conhecimento previamente adquirido. Se nada muda, contudo, se tudo se conserva, a destruição será da mesma forma inevitável, porque a cultura morrerá por falta de renovação. É, deste modo, compreensível a cautela dessas instituições. Elas procuram em verdade um ponto de equilíbrio nesse processo dialético de conservação versus mudança. A nossa Casa comportou-se assim no passado, desde sua primeira administração, de José Ribeiro do Amaral, e continua a fazê-lo hoje. É exatamente por causa da moderação de suas atitudes, da procura da virtude no meio termo, que as academias são tão atacadas pelos revolucionários, autênticos ou falsos, e louvada acriticamente pelos reacionários. Ambos parecem não entender a natureza delas.
Houve decerto períodos de apatia na história desta Academia, quando algumas poltronas ficaram vazias durante muitos anos. Mas, a sociedade maranhense igualmente estava apática, numa longa fase de decadência, após a euforia do crescimento econômico do final do século 18 e grande parte do 19. Como condição necessária, embora não suficiente, o excedente econômico produzido naquele período ofereceu a base material da nossa grandeza artística. Não é preciso ser marxista para reconhecer a correlação da vida cultural com a base econômica. Recordemos a Grécia, já que gostamos de ser atenienses. Ela foi tão marcante na vida espiritual da civilização ocidental porque dispunha das necessárias pré-condições materiais para isso, assim como Roma durante seu apogeu. No nosso caso, perdida a riqueza econômica, diminuiu, também, pouco a pouco, o brilho anterior das nossas letras.
A revolução modernista de 1922 teve de esperar o retorno, em 1946, de Bandeira Tribuzi, de Portugal, e de Lucy Teixeira, de Minas Gerais, para ter aceitação entre nós. Ressalto ter vindo de Lucy o primeiro e mais forte incentivo para minha experiência de escrever crônicas e, depois, com a seleção de algumas delas, publicar o livro Pedaços da eternidade, que, imagino, teve boa acolhida do público. Ela, que ora me recepciona, e Tribuzi, com quem eu, um jovem economista recém-formado, trabalhei no extinto Banco de Desenvolvimento do Maranhão, difundiram a partir daquela época o modernismo entre nós. O acadêmico José Sarney, ao recepcioná-la aqui, disse:
Dois grandes polos marcam a vida literária daqueles anos. A importância que iriam ter na nova geração é marcante […] Tribuzi traz os poetas novos portugueses, lança em termos do presente os reencontros da lírica portuguesa no Maranhão. E Lucy o acompanha nos caminhos da nova poesia, nas perplexidades dos jovens, numa busca angustiosa de novas formas, novas expressões.
Inicialmente, formou-se um pequeno grupo em volta dos dois: Carlos Madeira, Luís Carlos Bello Parga, Murilo Ferreira, Evandro Sarney, José Sarney. Logo depois, Ferreira Gullar e Lago Burnett. Um pouco mais adiante, Manuel Lopes, Cadmo Silva, Domingos Vieira Filho, Reginaldo Telles, Vera Cruz Santana, José Bento, José Filgueiras, José Brasil, Raimundo Bogéa, José Chagas, Agnor Lincoln da Costa. Quase toda a nossa produção intelectual até aquele momento voltava-se para um passado idealizado, clara forma de compensação psicológica pela decadência do presente, e continuava aprisionada aos padrões românticos e parnasianos vigentes no começo do século 20, já superados havia quase três décadas.
A Academia, porém, não esteve alheia às mudanças, quando elas se impuseram. Sob a presidência de Clodoaldo Cardoso, a partir de 1947, ela se revigorou. Já em 1950, dela faziam parte vários daqueles jovens ligados aos movimentos de renovação, como Franklin de Oliveira, Pedro Braga Filho e Corrêa da Silva, e, pouco mais tarde, Lago Burnett, Odylo Costa, filho, José Sarney e Domingos Vieira Filho.
Apesar de algumas mudanças de lá para cá, apesar de todo o esforço de muitos de nossos confrades, da Academia, de outras instituições e de algumas pessoas solitariamente, nossa sociedade padece ainda das limitações onipresentes, embora, felizmente, não onipotentes, de nossa atmosfera mental. Permanecemos deficientes em estudos e pesquisas consistentes sobre as nossas realidades econômica, social e política. Não valorizamos a pesquisa científica séria e sistemática. Consideramos o estudo e uso da teoria como ocupação de sonhadores desligados da realidade, como os nossos chamados “homens práticos” consideram, na suposição de serem as teorias antagônicas à prática e não um guia seguro para a ação consequente e responsável. As universidades continuam desligadas da nossa realidade socioeconômica. Fazemos muitos versos e pouca poesia, com as boas exceções de sempre. Não escrevemos quase nenhuma ficção. Quando o fazemos, corremos o risco de reinventar a roda ou redescobrir como acender o fogo, porque não nos preocupamos em acompanhar as novas correntes de pensamento ou os novos movimentos de renovação surgidos fora daqui. Em tudo ressalvo os esforços isolados de muita gente, bravos lutadores contra as forças da entropia intelectual e a favor da sintonia com a dinâmica do mundo moderno.
A Casa de Antônio Lobo tem demonstrado invulgar capacidade de elevar-se acima dessas limitações. Ela participou e participa constantemente de muitas atividades importantes ligadas à nossa cultura, da erudita e da popular. A ideia da criação de uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, no Maranhão, surgiu na Academia, em cujo salão nobre foi proferida a aula inaugural da nova instituição. Ela realiza concursos literários, palestras, cursos e conferências, e faz parte de comissões e grupos de trabalho encarregados de emitir pareceres e elaborar documentos sobre assuntos de interesse da cultura maranhense. Haverá, ademais, evidência mais forte do seu prestígio do que o vivo interesse de muitos de pertencer a ela?
É justamente essa a razão de me sentir honrado com a receptividade a meu nome. Quando me perguntam pelo melhor caminho para aqui aportar, digo serem eles tão numerosos quanto são os confrades de hoje e do passado. Cada um constrói o seu. O meu teve idas e vindas, partidas e chegadas a esta querida terra-mãe, por uma trama das circunstâncias, do destino, do acaso, ou como se queira chamar o sempre imprevisível correr da vida. Até poucos anos atrás, eu não imaginava um dia ser membro da Casa de Antônio Lobo, apesar de os livros e a literatura terem sempre feito parte inseparável de minha vida. Antes de considerar-me um escritor, vejo-me como um bom e obsessivo leitor. As minhas mais antigas lembranças estão ligadas à leitura. Desde que aprendi, bem pequeno, a interpretar a mensagem por trás dos símbolos chamados letras, nunca mais pude parar de ler. A minha convivência praticamente diária com as obras de grandes escritores e, especialmente, o eterno Machado de Assis, deu-me a certeza de que se eu me dedicasse apenas a lê-los, sem escrever uma linha sequer, eu não poderia me acusar de levar uma vida desprovida de sentido.
Confesso com orgulho me sentir verdadeiramente em casa nesta Casa. Não chego para conhecê-la. Eu já a conheço, pois tenho participado de várias de suas atividades como colaborador e convivo com muitos acadêmicos, todos eles meus amigos fraternos. Essa convivência revelou-se, sem surpresa alguma de minha parte, um inestimável aprendizado e me deu a oportunidade de crescer intelectualmente. Vejo este momento, portanto, como a consequência natural desse conjunto de fatores: as conspirações do acaso, o amor à leitura, as sinceras amizades e a benevolência no julgamento de meus méritos. A alegria de entrar nesta Casa não tem dimensão nos comuns sistemas de medidas. Esta é, verdadeiramente, a glória que eleva, honra e consola.
As pessoas que me antecederam no lugar que ora passo a ocupar merecem especial reverência. Vejam se não carrego uma grande responsabilidade tendo a obrigação de honrar a memória de tão luminosas personalidades.
Armando Vieira da Silva, nascido em São Luís a 30 de agosto de 1887, estava entre os 12 fundadores da Academia Maranhense de Letras. Ele foi fundador duas vezes porque fundou também a Cadeira 8. Mais tarde, assumiu a presidência da Casa, de 15 de janeiro de 1939 até seu falecimento no Rio de Janeiro a 8 de outubro de 1940. Publicou Vibrações da noite, poesia, 1907, Poesias, 1908, Portugal, 1934, Consolação, crônicas, 1937, e diversos discursos, palestras e conferências em folhetos.
Vieira da Silva pertenceu ao chamado terceiro ciclo da história literária maranhense, correspondente, aproximadamente, ao período de 1894 a 1936, de acordo com a periodização proposta por Mário Meireles, no seu Panorama da literatura maranhense, com base em A literatura maranhense, de A. Reis Carvalho. Nessa época, houve uma tentativa que acabou se revelando passageira, de parte de um grupo de intelectuais chamados por Antônio Lobo de Novos Atenienses, de fazer renascer no Maranhão o fulgor experimentado no primeiro ciclo com os neoclássicos e românticos do Grupo Maranhense, no período aproximado de 1832 a 1868, que deu lugar ao segundo ciclo, de 1868 a 1894, caracterizado pela prevalência do Naturalismo, Parnasianismo e Simbolismo, com seus principais representantes deixando o Maranhão para adquirir projeção no sul do Brasil, talvez por não contarem mais com as condições socioeconômicas adequadas a um proveitoso lavor, como seus predecessores contaram.
Nas palavras de Franklin de Oliveira “[…] Vieira da Silva, o poeta, é mesmo tão grande, tão soberbo que sacrifica o pensador. O seu lirismo generoso, como o de Pascal, põe o coração acima da inteligência. […]. Ouçam, agora o justamente famoso soneto Carro de Bois:
Velho carro de bois, pesado, aos solavancos,
Em busca do sertão, sem ter uma pousada,
De calhau em calhau, por cima dos barrancos,
Vagaroso lá vai… cantando pela estrada.
Velho, vai se quebrando aos últimos arrancos.
Não há sol, nem fadiga e nem mesmo invernada,
Que lhe detenha o andar. Lento, caminha aos trancos,
Pouco a pouco vencendo a penosa jornada.
Há vinte anos atrás viveu num pequizeiro,
Cortaram-no sem dó. Sem paz e sem repouso
Hoje vive de andar pelo sertão inteiro,
Lento e triste a rolar naquelas soledades…
Sempre porém cantando e cantando saudoso
Como quem canta só para matar saudades!…
Franklin de Oliveira assegura mais: “Na prosa, Vieira da Silva é o mesmo vate soberbo. Transvia-se apenas. As suas conferências, os seus discursos, os seus artigos, as suas crônicas são poemas ritmados, que se libertaram do preconceito do metro unicamente”. Valendo-se de tão apurada sensibilidade, Vieira da Silva escolheu Joaquim Gomes de Sousa, o Sousinha, como patrono desta Cadeira.
Muito já se disse e muito ainda se dirá sobre essa figura luminar de nossa terra, pois sua inteligência incomum e interesse por vários campos do conhecimento humano, durante sua curta existência de trinta e cinco anos, o recomendarão sempre aos pósteros, seus sucessores nessa esplêndida aventura de viver, cujo fim maior, e talvez único, é a busca da felicidade, do belo, da justiça e da liberdade, a recusa do materialismo vulgar, da alienação do dinheiro, do sentimento de posse de coisas e de pessoas, do desespero e da desesperança, e a exaltação da grandeza da alma e não de sua pequenez.
Gomes de Sousa nasceu à margem esquerda do Itapecuru, na fazenda Conceição, em 1829, a 15 de fevereiro, mesmo dia e mês de meu nascimento em 1948. O nome Joaquim representou uma homenagem a seu tio, o desembargador Joaquim Vieira da Silva e Sousa, parlamentar, presidente da Província do Maranhão, magistrado, senador e ministro, casado com Columba de Santo Antônio de Sousa Gaioso, filha de Raimundo José de Sousa Gaioso, autor do clássico Compêndio histórico-político dos princípios da lavoura do Maranhão, analisado por mim no livro Dois estudos econômicos. Uma das irmãs de Sousinha, Maria Gertrudes Gomes de Sousa, era casada com Luís Antônio Vieira da Silva, filho do desembargador, logo, primo dela, autor da notável História da Independência do Maranhão.
O rico fazendeiro da região do Itapecuru, Inácio José Gomes de Sousa, filho de José Antônio Gomes de Sousa e de Luísa Maria de Sousa, era o pai de Gomes de Sousa. Sua mãe, Antônia Carneiro de Brito e Sousa, era filha de Raimundo de Brito Magalhães e Cunha, antigo ouvidor-geral do Maranhão, e de Gertrudes Carneiro Homem Souto-Maior.
Em 1841, com apenas 12 anos, Sousinha foi estudar em Olinda, onde faria a preparação necessária para ingressar na Faculdade de Direito. O irmão mais velho, José Gomes de Sousa, já se encontrava lá, mas faleceu no ano seguinte. Tendo de retornar ao Maranhão, após a morte inesperada, encontrou a família instalada no belo sobrado da rua do Sol, sede, atualmente, do Museu Histórico do Maranhão. Ele passaria ali boa parte de sua juventude. Como informa o acadêmico Mílson Coutinho, em livro a ser publicado em breve, ainda existe uma inscrição lapidar na frontaria do prédio, em formato de monograma, com as iniciais IJGS, de Inácio José Gomes de Sousa.
Os pais de Sousinha decidiram então encaminhá-lo, em 1843, à carreira das armas no Rio de Janeiro. Ele fez sua matrícula na Escola Militar da Corte, que havia instituído o grau de doutor em Matemática em 1842. Simultaneamente, sentou praça como soldado do Exército. Em fevereiro de 1844, tendo cursado o primeiro ano de Engenharia, pediu licença por seis meses para tratamento de saúde. Um atestado, dos dois juntados ao pedido, do médico José Antônio de Andrade, continha esta avaliação: “[…] o soldado da 5ª Companhia do referido Batalhão e aluno da escola militar sofre lesão do coração, de onde provêm periódicos ataques asmáticos, sofre mais uma bronquite crônica, bem apreciável pela sensível alteração da voz […]”. O outro atestado, do doutor Mure, refere-se apenas à asma, mas não a problemas coronários. Apresentando pouca melhora, decide dar baixa e abandonar temporariamente os estudos.
Em 1845, matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e foi morar numa república de estudantes à travessa do Paço. Lá, se hospedava também Antônio Henriques Leal seu futuro biógrafo. Nesse período, os colegas passaram a chamá-lo de Sousinha. Fez o primeiro e o segundo anos do curso médico e requereu em 1847 os chamados exames vagos em todas as matérias de Engenharia da Escola Militar. A Medicina ficaria para depois. A Congregação negou o pedido. Graças, no entanto, a Maria Constança Martins Brito, filha de José de Oliveira Barbosa, visconde do Rio Comprido e ministro do Exército, em 1823, aproximou-se do senador José Saturnino da Costa Pereira, igualmente ministro do Exército, em 1837, inicialmente opositor da solicitação, bem como do conselheiro Cândido Batista, ministro da Fazenda e da Marinha, senador e primeiro estudioso a reproduzir no Brasil o famoso experimento, de Foucault, que comprova o movimento de rotação da Terra. Ambos, Saturnino e Cândido, eram professores da Escola. Com essas amizades, obteve a licença para fazer os exames em novembro. Surpreendentemente, recebeu uma avaliação ruim em Mecânica, nos exames do 3º. ano, dada pelo professor Gomes Jardim, seu vizinho no prédio onde moravam, após uma discussão sobre uma fórmula. Do incidente, resultou a cassação pela Congregação da licença para os outros exames de Engenharia, embora a nota não o reprovasse. Em de zembro desse mesmo ano de 1847, conseguiu aprovação nos exames do 3º ano de Medicina.
Em 1848, obteve a licença cassada no ano anterior. Sub meteu-se, a seguir, aos exames remanescentes na área de Engenharia, obtendo a 10 de junho o grau de bacharel em Ciências Matemáticas e Físicas e, em 14 de outubro, o de doutor em Matemática, o primeiro concedido pela Escola, com a tese Dissertação sobre o modo de indagar novos astros sem auxílio das observações diretas. Em novembro, foi aprovado no concurso de professor substituto da Escola e em dezembro nos exames do 4º ano de Medicina. Nesse período, como se vê, Sousinha desenvolveu intensa atividade intelectual. Seus pais, sabendo-o doente, mandaram buscá-lo no fim do ano.
Ele ficou na fazenda Conceição durante todo o primeiro semestre do ano seguinte, 1849. Nesse pouco tempo, de acordo com seus biógrafos, estudou alemão, italiano, Economia Política, Direito Constitucional e Filosofia, especialmente Kant, Hegel, Fitche e Krause, nos originais em alemão. Não tardou, porém, a retornar ao Rio de Janeiro. No segundo semestre, assumiu sua cátedra na Escola e fez pesquisas sobre métodos gerais de integração de funções, teoria do som e propagação em meios elétricos.
Sousinha publicou dois artigos em 1850, no primeiro número da revista Guanabara, importante publicação do movimento romântico no Brasil, fundada no ano anterior por Gonçalves Dias, Joaquim Manoel de Macedo e Araújo Porto Alegre. Um era a Exposição Sucinta de um Método de Integrar Equações Diferenciais Parciais por Integrais Definidas e o outro, Resolução das Equações Numéricas. Depois de entregar este último a Gonçalves Dias, para publicação, descobriu um erro em uma fórmula. Tarde demais. A revista saiu sem a retificação. O número seguinte trouxe a correção ao lado de uma crítica do professor Joaquim José de Oliveira. Sousinha havia mencionado o erro a Oliveira e este lhe expusera suas observações. No entanto, o professor, após a publicação do segundo número da Guanabara, passou a dizer que só depois de sua crítica Sousinha corrigira o equívoco. Estabeleceu-se uma polêmica. Oliveira criticava seu oponente com base na fórmula errada e Sousinha só admitia discutir sobre a fórmula corrigida. Depois da publicação por Gonçalves Dias de uma carta aberta a Oliveira, em defesa de Sousinha, a polêmica terminou. Nesse mesmo segundo número, o matemático maranhense publicou também o Métodos Gerais de Integração e da Integral da Equação Diferencial do Problema do Som.
Em 1854, ele fez sua primeira viagem à Europa. Tendo sido designado pelo imperador d. Pedro II, em 1852, para uma comissão encarregada de estudar a aplicação de medidas necessárias à reforma do sistema penitenciário brasileiro, oficialmente ia examinar a experiência da Europa nesse campo, mas, seu interesse maior eram os seus estudos.
Em 1856, ano em que obteve o grau de doutor em Medicina na Faculdade de Medicina de Paris, após submeter-se a exames com defesa de tese, completando os estudos iniciados no Rio de Janeiro, viajou para a Alemanha onde se encontrou, em Dresde, com Gonçalves Dias. Este escreveu ao barão de Capanema:
O Sousa aqui chegou também, vindo não sei donde, 4 ou 5 dias depois de mim; mora em cascos de rolha com um médico casado de fresco, e parece que vai bem. Creio que ele está em via de descobrir que o seu gênio não é matemático, – a síntese dos grandes princípios filosóficos – a harmonia à Leibnitz, se poderá também chamar – preestab’lecida (sic) – das ciências entre si, eis o que para que se acha ele com queda e talento […] quando o escuto um quarto d’hora, sinto-me tomado de vertigem, como se me quisessem explicar as teorias de Taylor, ou os infinitésimos de Laplace.
Em 1857 ou 1858, não se sabe ao certo, Gomes de Sou sa publicou na Alemanha a Coleção de memórias de análise e física matemática, do qual não se conhece atualmente nenhum exemplar. Constavam dela: 1) Memória sobre os métodos gerais de integração; 2) Adição à memória sobre os métodos gerais de integração; 3) Memória sobre a determinação de constantes que, entre os problemas de física matemática, entram nas integrais de equações diferenciais parciais, em função do estado inicial do sistema; 4) Demonstração de alguns teoremas gerais pela comparação de novas funções transcendentes; 5) Memória sobre um teorema de cálculo integral e suas aplicações à solução de problemas de física matemática; 6) Memória sobre a determinação das funções incógnitas sob o sinal de integração definida; 7) Memória sobre a analogia entre as equações diferenciais lineares e as equações algébricas ordinárias – muitas aplicações à teoria das integrais definidas e à teoria das funções elípticas – alguns teoremas sobre a natureza das transcendentes encerradas nas equações lineares diferenciais lineares, de coeficientes algébricos. Dessas memórias, foram submetidas à Academia de Ciências de Paris e levadas a M. Liouville, Lamé e Bienaym, membros da comissão encarregada de examiná-las, a primeira, a segunda e a sexta. O parecer sobre esta (Memória sobre a determinação das funções incógnitas sob o sinal de integração definida) nunca foi elaborado. Quando Gomes de Sousa, que atribui o fato a “pequenos ciúmes”, exigiu uma resposta, Lamé observou: “Li sua memória: ela prova que o senhor é um bom analista; eu o saúdo como tal e penso que meus colegas não serão de outra opinião”. As outras duas, a primeira e a segunda, foram objeto de duas notas de Liouville nos tomos 40 e 41 dos Relatórios da Academia de Paris que examinou ainda uma Adição à memória sobre a determinação das funções incógnitas sob o sinal de integração definida, uma Segunda adição à memória sobre a determinação das funções incógnitas sob o sinal de integração definida e uma Memória sobre a teoria do som. A primeira memória, sobre métodos gerais de integração, foi, ainda, encaminhada em estado embrionário à Sociedade Real de Londres, e publicada num pequeno extrato, nos seus Anais em 1856.
Sousinha pretendia incluir na Coleção, mas não chegou a fazê-lo: 1) Memória sobre a teoria do som; 2) Memória sobre a propagação do movimento nos meios elásticos compreendendo o movimento dos meios cristalisoides e teoria da luz; 3) Memória sobre vibrações dos meios elásticos; 4) Memória sobre as resoluções algébricas ou transcendentes por integrais definidas, 5) Memória sobre duas espécies de cálculos novos, compreendendo toda a teoria das características, e sobre os princípios fundamentais da análise geral; 6) Filosofia geral das ciências matemáticas e uniformização dos métodos analíticos; 7) Memória sobre o cálculos dos resíduos; 8) Memória sobre a aplicação da análise à física matemática, com aplicações a muitas questões gerais e construção das fórmulas analíticas como representando fenômenos físicos.
O matemático maranhense fez referência a uma obra nun ca publicada, chamada Leis da natureza, em 3 volumes “É nos nossos tempos o que Bacon fez no seu, com um plano totalmente diferente. Nesta obra passo em revista todos os sistemas de filosofia”, disse ele.
Em 1859, saiu a Antologia Universal: escolha das melhores poesias líricas das diversas nações em suas línguas originais, em dezessete línguas. Não se trata de uma edição que contemple a tradução dos poemas nela incluídos, o que, evidentemente, limita o alcance da Antologia, que contemple a tradução dos poemas nela incluídos. Aliás, Gomes de Sousa, impossibilitado de julgar por si mesmo em muitos casos, menciona a ajuda de “pessoas competentes sob todos os aspectos”, sem, entretanto, indicar seus nomes. Como bem assinala Wilson Martins, a antologia deve ser encarada como representativa das aspirações cosmopolitas do Romantismo, paradoxalmente num tempo em que as nacionalidades se afirmavam sob os aplausos dos poetas românticos.
Postumamente, saiu, em 1882, a Coleção de cálculo integral, com prefácio de Charles Henry e revisão da matemática por Édou ard Lucas. Ela contém a Coleção de memórias de análise e física matemática, mencionada anteriormente, à qual foram adicionados os manuscritos contendo os estudos sobre o som e sobre vibrações nos meios elásticos, existentes nos arquivos da Academia de Ciências de Paris.
Em 1857, Gomes de Sousa recebera na Alemanha a notícia de sua eleição à Câmara pelo Maranhão, para a 10ª Legislatura de 1857 a 1860. Quando amigos e admiradores indicaram seu nome, Henriques Leal opôs-se à candidatura do amigo. A política, achava ele, iria interferir negativamente nas atividades científicas de Sousinha. Leal diria mais tarde: “Encarregou-se o tempo de confirmar meus pensamentos […] a ciência perdeu quem a poderia adiantar, ao passo que o país não ganhou um bom político!”. No entanto, não deixou de trabalhar com afinco pela eleição do amigo e tanto que se viu acusado na sessão da Câmara dos Deputados de 16 de maio de 1857 de fraude nas eleições.
Antes de retornar ao Brasil, a fim de assumir o mandato na Câmara dos Deputados, Gomes de Sousa dirigiu-se a Londres com o fim de se casar com uma moça que conhecera anteriormente, Rosa Edith, de 18 anos de idade, filha de um pastor anglicano, reverendo Hamber. Após o casamento, deixou a esposa com os pais e veio para o Brasil. Na escala em Lisboa, encontrou-se com João Lisboa que mais tarde escreveria a Henriques Leal uma carta sobre o encontro. Sua posse deu-se a 19 de maio de 1857. Ele proferiu seu primeiro discurso a 25 de junho, com uma denúncia contra o deputado José Thomaz Nabuco de Araújo, ex-ministro da Justiça, por ter Nabuco aposentado com metade de seus vencimentos os desembargadores de Pernambuco Severo Amorim do Vale e Bernardo Rabelo da Silva Pereira.
Seria novamente eleito à 11ª Legislatura, de 1861 a 1864, e à 12ª. de 1864 a 1867. Na Câmara, adotou sempre uma posição equidistante de liberais e conservadores e teve atuação destacada. Pronunciou-se sobre o sistema bancário, a rígida centralização administrativa do Brasil, estabelecida na Constituição de 1824, o casamento misto, isto é, entre católicos e pessoas de outras religiões, considerados clandestinos pela Igreja Católica, as finanças públicas, os assuntos constitucionais, a educação, a reforma do ensino de matemática e física bem como das escolas militares e o sistema métrico decimal. De especial interesse para o Maranhão, foi seu discurso sobre o melhor modo de combater o assoreamento do porto de São Luís, próximo à avenida Beira Mar, proferido na mesma sessão em que defendeu o tenente-coronel Raimundo de Brito Gomes de Sousa, seu irmão, da acusação feita pelo presidente da Província, major Primo de Aguiar, de participação na falsificação de um testamento.
O capitão-tenente Giacomo Raja Gabaglia, da Marinha, recomendara que, entre outras medidas de melhoramento do porto, se dragassem os canais obstruídos e as áreas próximas aos ancoradouros. Gomes de Sousa discordava do capitão sobre as causas do problema bem como das recomendações dele para sua solução, embora concordasse sobre a necessidade da dragagem. Para dar fundamento a sua análise, Sousinha examinou fatores como as marés, os ventos, a Corrente do Golfo, a Corrente Equatorial nas costas do Brasil e outros. De uma maneira bem característica ele afirmou: “Há três dias, Sr. Presidente, eu nada sabia de obstrução ou desobstrução de portos; […] mas as explicações excêntricas que vejo dar sobre as causas que tendem a arruiná-lo [o porto] à vista de olhos, me conduziram à teoria que vou apresentar […]”.
Ainda em 1857, voltou à Inglaterra a fim de buscar a esposa. Ela morreria apenas três anos mais tarde no Maranhão, depois de uma longa viagem pelo interior da província, com Sousinha, que desejava avaliar as necessidades do segundo distrito pelo qual fora eleito, estabelecer contatos políticos e estudar a economia e a topografia da região. Provavelmente, ela contraiu tifo durante a excursão. O único filho do casal morreu em maio de 1862.
A saúde de Sousinha sempre fora frágil. A perda da mulher e a do filho mais o debilitou. No Rio de Janeiro, decidiu morar em um sítio no tranquilo morro de Santa Teresa. Lá, conheceu Paulina Guerra, uma vizinha, vindo a casar-se novamente em 8 de fevereiro de 1863. Decidiu então voltar à Europa em busca de cura, em vão. Ele faleceu em Londres a 1º de junho de 1864, e não 1863 como assegura Henriques Leal. Ele mesmo assevera que com trinta e cinco anos, “finou-se” Gomes de Sousa. Ora, tendo nascido em 1829, teria 34 anos e não trinta e cinco em 1863.
Como se pode hoje avaliar Gomes de Sousa, depois de 140 anos de sua morte? Alguns analistas têm mostrado um patrio tismo simplório e um tom francamente provinciano, com uma tendência a elogios ingênuos. Não há, é claro, razão para se questionar os muitos méritos dele. Sua glória estará mais bem servida, no entanto, se tivermos uma visão equilibrada e objetiva de suas realizações.
Vejamos, por exemplo, estas palavras de Humberto de Campos:
Em 1854 segue para a Europa e, chegando a Paris, corre a assistir uma aula do famoso professor Cauchy, que era, na opinião geral, o maior matemático do tempo. Em meio da sala, apresentada por este uma equação como não integralizável, Gomes de Souza ergue-se, e pe de: “Dá licença?’”E, dirigindo-se à pedra, mostra, por duas vezes, o engano do sábio, que, diz-se, o abraçou, comovido, e se tornou, depois, o maior dos seus amigos.
Malba Tahan, na Antologia da Matemática, ao citar essa passagem, afirma entrar aí “um pouco da fantasia de Humberto de Campos”. O grande matemático Cauchy era considerado por seus contemporâneos como invejoso, egoísta e rancoroso. Seria de ataque a Sousinha e não de reconhecimento do erro a mais provável reação do francês. As palavras de Humberto de Campos mostram um ufanismo e, até, uma certa ingenuidade, conflitantes com a estatura intelectual de um escritor como ele, mas são representativas de uma visão sobre a carreira de Sousinha, tendente a folclorizá-lo.
Henriques Leal adota posição mais prudente. De um lado, mostra um grande entusiasmo, como nesta passagem do Pantheon Maranhense: “Logo no primeiro exame fez tanta sensação o triunfo que nele obteve, que S. M. o Imperador não quis perder mais nenhum de seus atos, concorrendo assim com sua augusta presença para abrilhantá-los”. Ora, é bem conhecido o hábito do imperador de comparecer regularmente aos exames em diversas instituições de ensino sediadas no Rio de Janeiro. Seria plausível ele ter notícia do bom desempenho de Gomes de Sousa e, curioso, assistir a seus exames. Mas, dizer isso sem mencionar o hábito de Pedro II é induzir o leitor a ver como excepcional um gesto comum no soberano. Jerônimo de Viveiros, ocupante desta Cadeira, afirmou na sua posse que o autor do Pantheon preferiu poetisar os feitos de Sousinha “em períodos lapidares”, em lugar de explicá-los.
Henriques Leal ameniza o entusiasmo dizendo não ter Gomes de Sousa efetivado todas as suas potencialidades porque morreu muito cedo. Ele “[…] encheria o mundo com o seu nome, se perseverasse na carreira tão bem estreada e houvesse ao menos terminado e dado à luz os trabalhos que havia concebido e rascunhado”. Aí está um dos fatores a levar em consideração na apreciação dos feitos de Sousinha. A esse respeito, Wilson Martins na Historia da inteligência brasileira tem esta visão: “A obra científica de Gomes de Sousa […] seria um pouco à imagem da Anthologie Universelle: magnífica ruína de um edifício majestoso cuja construção jamais se concluiu”.
Pode-se apenas imaginar a grandiosidade da anunciada, mas nunca executada, Leis da natureza. O matemático maranhense se referiu a esse projeto como uma realização grandiosa: Leis da Natureza, código de legislação em que, passando em revista o universo inteiro, pretendo expor as leis fixas, gerais e invariáveis que presidiram à sua organização”. Seguramente ele se referia ao grande objetivo da Física de nossos dias, o estabelecimento de uma teoria única que descreva todos os fenômenos da natureza. Seria, tal proeza, alcançada pela unificação da relatividade geral com a mecânica quântica. As duas construções teóricas são válidas somente nos seus próprios campos. Unificá-las seria achar essas leis “fixas, gerais e invariáveis” mencionadas por Sousinha.
Diz ainda ele sobre a obra projetada: “[…] escrita em francês ou je ne vois pas avoir totalement manqué de génie, […] distingue-se […] pelo seu caráter de universalidade, e pelas suas formas necessárias e imperiosas, de cujas páginas o arbítrio se acha banido para sempre”. Pode-se sentir aí, claramente, a atitude confiante de Gomes de Sousa. Mas, como a história não é feita de possibilidades, podemos dizer apenas que uma bela ideia se perdeu. Independentemente, porém, do quanto ele fez, devemos considerar as virtudes intrínsecas de sua obra e a posição dela perante a ciência matemática da sua época, o realizado e não a possível realização.
Em 1998, Clóvis Pereira da Silva analisou, em A matemática no Brasil – uma história de seu desenvolvimento, para o período de 1848 a 1918, vinte e quatro dissertações em Matemática, desde a de Sousinha, de 1848, até a de Theodoro Augusto Ramos, Sobre as funções de variáveis reais, de 1918.
Sua avaliação é ter sido Gomes de Sousa “o mais importante matemático brasileiro nas duas primeiras décadas da segunda metade do século XIX” e de sua produção impressionar não tanto pelo rigor, mas por ter sido desenvolvida apesar do isolamento dele do mundo científico europeu daquele tempo, como no caso de sua dissertação sobre o modo de indagar novos astros, versando sobre assuntos da astronomia, elaborada quando Sousinha não fora ainda à Europa. Na apreciação ainda de Clóvis Pereira da Silva, esse
não é um trabalho acadêmico de excepcional qualidade. Contudo, é um importante marco na historiografia da ciência no Brasil, porque ela corresponde ao início de uma importante atividade científica, a saber, a pesquisa matemática séria em nosso país. Não devemos esquecer as dificuldades que tiveram, no Brasil da época, aquelas pessoas interessadas em obter livros e revistas especializadas em Matemáticas e publicados no velho continente, enfim a dificuldade em obter resultados recentes, face o isolamento científico no Brasil de então.
Francisco Mendes de Oliveira Castro no seu A matemática no Brasil, de 1953, afirma: “Ainda que do ponto de vista físico o trabalho de Gomes de Sousa não apresente, talvez, grande interesse, convém observar que a própria maneira por que ele formula o problema, levando em conta a eventual existência de mais de uma solução, logo revela os pendores matemáticos do seu brilhante espírito”. Vários outros matemáticos citados por Castro analisaram a produção de Gomes de Sousa. Amoroso Costa em 1918 disse que a de Gomes de Sousa é uma “obra matemática que honra a cultura brasileira de seu tempo”. Em 1929, Teodoro Ramos considerou Sousinha “talvez o mais vigoroso espírito matemático que o Brasil tem produzido”. Luís Freire em 1931 o classificou como genial.
Com respeito a seus métodos matemáticos, Amoroso Costa e Theodoro Ramos assinalaram que o emprego de séries de convergência não comprovada e o caráter formal dos resultados constituem o principal defeito da obra de Sousinha, havendo, no entanto, de acordo com Ramos, “inegável analogia” entre as ideias do matemático maranhense e as da teoria moderna das séries divergentes. Quanto às equações integrais é mais uma vez Theodoro Ramos quem afirma que “as condições de validade das fórmulas obtidas por Gomes de Sousa” devem ser avaliadas com os parâmetros da análise moderna, o que até agora está por ser feito.
O renomado professor de matemática Ubiratan D’Ambrosio fez o seguinte julgamento no seu Joaquim Gomes de Souza, o Souzinha (1829-1864), apresentado em Campinas, São Paulo, no 3º Encontro de Filosofia e História da Ciência no Cone Sul, e publicado em 2004, como capítulo de um livro com o mesmo nome do encontro:
Sua contribuição à formação de uma tradição matemática no Brasil foi nenhuma. Seus trabalhos tiveram nenhuma repercussão na matemática, que em meados do século XIX estava atingindo seu apogeu. […] ele dá a impressão de ser um autodidata e suas leituras e citações são vastas, mas um tanto confusas. […] Também seu tom de escrever revela uma certa pretensão, dizendo generalizar e corrigir trabalhos de outros. […] Um estudo da vida e obras da figura fascinante de Joaquim Gomes de Souza falta na historiografia da matemática brasileira.
Eis, pois, a síntese do intelectual Joaquim Gomes de Sousa. Inteligência excepcional, incomensurável curiosidade intelectual, criatividade, vontade de saber, diversidade de interesses, consciência de suas qualidades, imensa autoconfiança, grande talento matemático e disposição para o trabalho. Sua obra e personalidade ainda não tiveram o estudo profundo e consistente a que têm direito. Ele continuará, não tenho dúvida, a conviver harmoniosamente com os mitos em torno dele, pois com estes também se fazem os povos e se constrói a identidade nacional. Seu nome ficará eternamente como símbolo das nossas mais caras tradições de inteligência e cultura e será a fonte perene de inspiração para todos nós.
Ao fundador da Cadeira patroneada por Gomes de Sousa sucedeu um dos maiores historiadores do Maranhão. Somente o ter escrito em 1954 a História do comércio do Maranhão, que podemos chamar de monumental sem o receio de parecer exagerados, já seria suficiente para explicar o reconhecimento dos maranhenses a Jerônimo José de Viveiros como um estudioso de incomum estatura intelectual e grande importância no estudo de nosso passado. É de Gilberto Freyre este julgamento: “Seu trabalho não é mera compilação nem simples esforço de antiquário de província.[…] Obra de historiador autêntico, dos vários que, em recantos de províncias brasileiras, continuam, às vezes, quase sem repercussão no Rio, uma atividade honesta que vem de dias remotos”.
Jerônimo Viveiros nasceu a 11 de agosto de 1884, em São Luís, no chamado Sobrado da Baronesa, de propriedade de sua família a partir de 1868. Nesse prédio funcionou antes o Colégio Episcopal, de Domingos Feliciano Marques Perdigão. Ali estudaram, entre outros, Gentil Braga, César Marques, Antônio e Felipe Franco de Sá e José Cursino da Silva Raposo, meu bisavô e, claro, de meu irmão José Cursino Raposo Moreira, e avô de meu tio José Cursino dos Santos Raposo, presentes, estes dois Cursinos, a esta solenidade.
Teve aulas particulares com Antônio Lobo e estudou no Liceu Maranhense, do qual se tornou professor em substituição a Clodoaldo Freitas, depois de examinado pelo próprio governador do Estado, Benedito Leite. Foi também professor do Colégio Pedro II, tendo feito curso de Direito até o terceiro ano, no Rio de Janeiro, sem nunca completá-lo. Ao ter conhecimento do desejo de amigos de vê-lo nesta Academia, disse jamais haver perpetrado, como eu também jamais fiz, um verso sequer, conforme afirmativa de Ruben Almeida no seu discurso de recepção a ele. Disseram-lhe então que o patrono tampouco o fizera, levando Jerônimo a aceitar a indicação. Outras obras suas são: Apontamentos para a história da instrução pública e particular do Maranhão, 1937, O centenário de Themístocles Aranha, 1937, O coronel Luís Alves de Lima e Silva no Maranhão, 1948, Alcântara no seu passado econômico, social e político, 1950, O Engenho Central de São Pedro, 1954, Uma luta política no Segundo Reinado, 1954, Benedito Leite, um verdadeiro republicano, 1957, A rainha do Maranhão, 1965, A ficha de Adelino Fontoura na Academia, 1967, obra póstuma. Ele morreu em 29 de março de 1965 em São Luís.
O sucessor de Jerônimo Viveiros, João Freire Medeiros, nasceu em São Luís a 8 de fevereiro de 1915 e morreu a 24 de dezembro de 1991. Era contador e formado em Direito pela Faculdade de Direito de São Luís. Como jornalista, colaborou em O Combate, Correio do Nordeste, Jornal do Povo, Jornal do Dia e O Imparcial. Foi juiz do trabalho, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, do Instituto de Direito Social, de São Paulo, da Societé Internacionale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale, da Suíça, e professor da Universidade Federal do Maranhão. Publicou na Revista da Academia Maranhense de Letras O Sacrifício de Sócrates, no volume 14, de agosto de 1981, e A Rebeldia de Epicuro, no 15, de agosto de 1983. Ele fez o discurso de saudação a João Mohana em 4 de agosto de 1970.
José de Ribamar Chaves Caldeira, o sucessor de João Medeiros, honrou a Cadeira 8 durante 11 anos, de dezembro de 1992 até agosto de 2003. Dedicou-se exemplarmente, durante sua produtiva vida, à pesquisa e ao ensino universitários, tirando especial prazer da convivência com seus alunos. Em Pedreiras, sua cidade natal, fez o primeiro grau. Em São Luís, cursou o segundo no Colégio de São Luiz, do inesquecível Presidente desta Casa, professor Luiz de Moraes Rego. Logo seguiria para São Paulo, onde se bacharelou em Sociologia e Política, pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo em 1966.
Na Unicamp, Universidade Estadual de Campinas, a pre sentou tese de mestrado em Ciências Sociais, na área de Sociologia, em 1982, sob o título As interventorias estaduais no Maranhão – um estudo sobre as transformações políticas regionais no pós 30. Na Universidade de São Paulo, elaborou a tese doutoral Origens da indústria no sistema agroexportador maranhense – 1875/1895, defendida em 1989. Publicou ainda: A ANL no Maranhão, em 1990, O Maranhão na literatura dos viajantes do século XIX, em 1991, A criança e a mulher tupinambá, em 2000, e Escritos, em 2001.
Apressei-me em mencionar logo as teses acadêmicas de Caldeira e os livros publicados após o término de seu doutorado porque desejo destacar tanto a variedade de seus interesses, quanto a sua grande disciplina intelectual. Tal característica lhe permitiu publicar quatro volumes no período de pouco mais de 10 anos. O último, Escritos, é representativo de sua inquietude intelectual. Num dos capítulos, ele trata de um tema ligado à literatura, o cânone literário do Ocidente e do Brasil. Caldeira, com base nas opiniões dos acadêmicos Jomar Moraes, José Chagas, Bernardo Coelho de Almeida, Ubiratan Teixeira e Waldemiro Viana, concluiu ser “[…] possível evidenciar, na preferência dos acadêmicos, a indicação de que a melhor produção ficcional brasileira do século 20 é a regional que tem por palco o meio rural”. Daí, no capítulo seguinte, ele passa à sociologia da educação ao analisar as relações entre as aspirações da classe média e o tipo de escola pública por ela desejada. Mais à frente, volta-se para a Sociologia e a Ciência Política com uma análise das eleições de 1994 e 1998 no Maranhão, as últimas de caráter estadual e federal realizadas no Estado no século 20. Antes, logo no início do volume, tenta responder às indagações de seus alunos da Universidade Federal do Maranhão sobre o conceito de pós-modernidade, de caracterização difícil. Seus interesses múltiplos ficam da mesma forma evidentes em suas resenhas de livros de diversos autores, incluídas nos Escritos e publicadas anteriormente em várias revistas acadêmicas: A Verdade sobre o Iseb, de Nélson Werneck Sodré; Paraíso Tropical – a Ideologia do Civismo na Tve do Maranhão, de Helena Maria Bousquet-Bomeny; Tumbeiros: O Tráfico Escravista para o Brasil, de Ro bert Edgar Conrad; A Balaiada e a Insurreição de Escravos no Maranhão, de Maria Januária Vilela Santos; Preconceito Racial no Brasil-Colônia – Os Cristãos Novos, de Maria Luiza Tucci Carneiro; e A volta de McLuhanaima – Cinco Estudos Solenes e uma Brincadeira Séria, de Richard Moses.
O mais característico, todavia, da amplitude de interesses de Caldeira, da preocupação com a cultura, da sensibilidade às manifestações artísticas, encontra-se na criação do Cine Clube do Maranhão. Em associação com o arquiteto Reinaldo Marques, ele proporcionou à sociedade local a oportunidade de acesso a filmes de grande importância artística, mas, ou por isso mesmo, fora do circuito comercial. Chegou mesmo a produzir um filme de curta metragem em 16 milímetros, O cotidiano de um funcionário público, e a escrever seu roteiro, ficando a direção com Reinaldo. Carlos de Lima e Regina Teles participaram como atores.
Caldeira foi um homem da ciência, professor universitário de muita dedicação ao ensino, pesquisador determinado, disciplinado e entusiasmado com seu trabalho, atitude indispensável para bem realizá-lo, seguro de seus conhecimentos e de suas convicções, das quais não abria mão por conveniências de qualquer natureza, mas aberto à discussão franca e honesta. Esteve sempre atualizado com os avanços no seu campo de estudo e tinha uma visão crítica do mundo moderno e de suas forças potencialmente alienantes e desumanizantes. Transitou entre duas tradições sociológicas, a weberiana e a marxista que, apesar de divergentes não são, de fato, antagônicas. Max Weber, em verdade, nunca tentou refutar Marx, mas completar suas teorias. Em sua visão, a burocratização e a racionalização instrumental do mundo eram inevitáveis. Nesse ponto, há óbvias similaridades de suas ideias com o conceito de alienação de Marx, que considera este fenômeno uma fase passageira, até sua eliminação pela verdadeira emancipação humana na sociedade comunista. Weber, por seu lado, dizia que a alienação tão bem apontada na teoria marxista, não deriva da forma de propriedade dos meios de produção, no caso, do modo de produção capitalista, que tira do trabalhador o controle de seu próprio trabalho, que passa a ser vendido aos capitalistas, mas do fato de essas pessoas, nas sociedades modernas, não poderem participar de atividades socialmente significantes, a menos que pertençam a grandes organizações. Todavia, ao integrarem-se nelas, eles têm de sacrificar a maior parte de suas aspirações pessoais. Como consequência, os seres humanos separam-se de uma parte de si mesmos, tornando-os alienados. Caldeira percebeu esses pontos de aproximação e distanciamento entre os dois grandes pensadores alemães e trabalhou criativamente com as duas tradições teóricas. Ele, ao lado de sua querida Marlene, soube despertar nos filhos o interesse e o gosto pela atividade intelectual do que eles vêm dando repetidas provas nestes últimos anos.
Eis, portanto, a linha sucessória que vem de Armando Vieira da Silva até mim. O instituto da sucessão e a lembrança dos antecessores, mais do que a nós acadêmicos, confere imortalidade à Academia, que sobrevive porque perecemos fisicamente. Se não fosse assim, ela não conseguiria ser imortal, como é, por não poder renovar-se. Chegará o dia de minha própria sucessão, quando eu também serei lembrado. Se esse momento demorar a chegar, como espero, terei tempo de dar toda a contribuição ao alcance de minhas forças para honrá-la, revigorá-la e engrandecê-la, produzindo uma obra digna dos predecessores de nossas quarenta Cadeiras.
Senhoras e senhores:
Finalmente, dirijo mais uma vez meu olhar a este auditório e sou capaz de sentir em algum lugar, juntos, embora não materialmente, inseparáveis, Carlos Saturnino e Maria da Conceição, fundadores, eles também, no filho, das coisas do espírito. S xcvg6t9 tnkem a segura orientação e estímulo que me deram, eu não poderia sequer sonhar com este dia. Eu os vejo nesta solenidade tão claramente como vejo Graça, minha mulher, companheira e primeira leitora, que muito tem evitado grandes e pequenos erros nos meus escritos e na minha vida, e em tudo mais me apoia e me incentiva. Como vejo também meus filhos Daniela e Lino Filho, o aniversariante de hoje, com a tranquila certeza de meu amor pelos livros ser infinitamente menor do que meu amor pelos três.
Muito obrigado.